quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Lucia e o fim da PJ


A coordenação da pastoral da juventude da paróquia de São Luiz Gonzaga era formada por quatro jovens. Lucia era coordenadora do grupo da comunidade São Francisco Xavier, Eduardo era catequista de crisma, Ricardo era do grupo de jovens da matriz e Maria estava à frente do grupo de jovens do coral. Sempre tiveram apoio do pároco para suas atividades. Movimentavam as outras pastorais, envolviam-se com os movimentos populares da região, lutavam por um espaço maior e reconhecimento dos jovens. Eram discípulos e missionários.

Lucia era a mais centrada entre os quatro. Era filha de Jorge e Carmem, casal articulador da Cáritas naquela diocese. Eduardo era o mais expansivo, alegre e divertido. Os pais pouco participavam da comunidade. Ricardo, por outro lado era o mais calado. Só morava com a mãe, Gisele, e nunca conhecera o pai. Ela era ministra do Batismo. Maria era uma graça, mas não se engane. De voz potente e afinada, seu humor era capaz de ir do mais tenro afago até às explosões galácticas. Melhor seria não pisar no pé desta moça.

Tudo parecia que ia muito bem. Contudo, houve uma mudança na diocese e o novo bispo resolveu trocar alguns padres de paróquia. E a São Luiz Gonzaga foi uma delas. Assumiu por lá um padre novo, recém-ordenado. E toda a aparente juventude do novo sacerdote inspirava novos ares para a paróquia. Todos imaginavam que os projetos iniciados seriam tocados com maior vigor e que novas ideias surgiriam tanto para a evangelização da paróquia, como para a integração da mesma com os movimentos populares da região.


Passados dois meses, o novo pároco paralisou todos os projetos e extinguiu várias coordenações de pastorais, inclusive a coordenação da PJ. Literalmente, seus serviços não eram mais necessários. Cada um recebeu uma cartinha assinada pelo sacerdote, explicando que novas diretrizes seriam tomadas e que aqueles trabalhos foram importantes no passado, mas que agora os tempos urgentes exigiam novas ações. E que, além disso, era necessário concentrar esforços em outras obras, como a reforma da matriz, a compra de novos bancos, a construção de um novo salão de festas. E as antigas pastorais apresentavam gastos que não cabiam mais nestes novos tempos.

Eduardo murchou. Ricardo deprimiu. Maria explodiu. E Lúcia observava. Ela fora a única dentre os quatro que não recebera a cartinha do padre. Continuou a tocar seu grupo de jovens da comunidade, mas refletindo sobre tudo que ocorrera. Nas conversas com os amigos, o assunto sempre voltava. E os três afirmavam categoricamente que era questão de tempo para que o grupo de Lucia também fosse limado.

Lucia refletia e rezava. Eram novos tempos naquela paróquia. Que contexto estranho era aquele. Ouvira alguém falar de casos assim, mas eram longe demais. Eduardo chegou a conversar com o novo pároco, mas ele não lhe deu a devida atenção. Outras pessoas iram conduzir o grupo de crisma que ele acompanhara. Ricardo mal saia de casa. Gisele insistia com o filho para ao menos voltar a participar da missa. Mas ele quieto estava e quieto permanecia. Maria, ao contrário, foi lá tomar satisfação da razões que levaram o coral a ter acabado. Não teve conversa. O padre disse que queria mudar as linhas pastorais e que as músicas feitas por aquele antigo coral não tinham o “toque sagrado” que ele desejava. E como ele era o pároco, as coisas tinham que ser do jeito dele.

Lucia sabia de todos estes fatos. Ouviu dos pais que em outros cantos da diocese histórias parecidas eram contadas. E sabia que o tempo era pouco realmente. Quatro possibilidades eram vislumbradas por ela. E ela precisava ter clareza de qual atitude tomar.

Abandonar o barco significava dizer que estava sem paciência com tudo aquilo, não ver possibilidades de mudança e ir procurar algo melhor pra fazer na vida. O problema é que este mesmo tipo de estrutura estava em muitos lugares. Uma hora ela teria de encarar algo parecido. Ou então ficar pulando de barco em barco a vida inteira.

Acomodar-se era mais uma alternativa. Mas estava fora de questão. Ela não queria entrar no jogo com as regras de quem manda. Sabia que esta seria a solução adotada pela maioria dos paroquianos. Mas sua esperança não estava ali para fazê-la ficar parada esperando. Era preciso fazer algo.

E se reagisse a tudo aquilo? Estava errada aquela estrutura. Alguns pensariam que era necessário jogar o mesmo jogo, agir reativamente. Mas não era essa a sua decisão. Fazer assim é tomar paulada e dar um empurrão de resposta. Tomar uma facada e espirrar sangue de volta. Ser agredida em regiões dolorosas e xingar o outro de bobão. Não somos feitos para pagar o mal com o mal.

Ela se decidira. A única saída que tinha era se antecipar a ação. Em suas reflexões ela passou a entender  como o jogo é jogado. Então era preciso usar da estrutura a favor do bem. Sim, ela sabia que teria que engolir sapo, às vezes. Mas o machucado de hoje, vale a missão. Nenhum mártir entrega a sua vida de boa vontade. Ninguém quer morrer. Mas a vida entregue é semente que faz brotar outras vidas, porque foi alimentada antecipadamente. Ela lembrou de tantos que tombaram, que deram suas vidas, que sabiam que seus dias estavam contados. Não foi a morte deles que a motivava, mas sim as razões e o jeito como viveram. 

Após refletir muito, Lucia entendeu. Se ela ia continuar a frente daquele grupo era preciso aproveitar todo tempo que tinha. Era necessário continuar fazendo o bem enquanto tinha possibilidades. Sem mágoa, sem rancores, sem inocência, mas com muita esperança, fé e amor.

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