Ela estava desencantada. Pensou duas vezes se realmente ia juntar as coisas para ir para a reunião. A agenda sobre a mesinha trazia a sua lembrança de que iriam preparar o calendário do novo ano. “Que tristeza. Mais um ano cheio de compromissos”. Pensou em ligar o computador para ver se batia uma distração, mas se recordou dos inúmeros e-mails de cobranças. Lembrou-se também que ninguém tinha fechado de vez o balanço daquela última atividade. Estavam devendo alguém. Quem seria? E por que ninguém fecha e decide nada?
Sair da coordenação talvez fosse uma solução. Não para o grupo, mas para ela. Afinal, uma hora ou outra teria que parar para pensar nela. Alguém para ficar em seu lugar não seria o maior problema. Dar-se-ia um jeito.
E se ela simplesmente não fosse? Aliviaria na hora, mas e depois? Uma hora ou outra teria que enfrentar esta realidade que a incomodava. Definitivamente deixar de ir ou abandonar a coordenação não eram boas ideias. Se ela aprendeu algumas coisas na PJ, uma delas foi que os problemas devem ser encarados.
Ela tomou uma decisão. Iria ficar na dela. Se alguém tocasse na ferida, ela soltaria os cachorros, chutaria o balde e desfiaria um rosário de problemas. Afinal, não há condições de ficar acumulando tantos problemas e não partilhar com ninguém.
Não tinha como ser diferente. A reunião começou e como pratos num armário os problemas foram sendo colocados uns sobre os outros até formarem uma pilha enorme. E depois de dizer tudo o que estava sentindo, ela se questionou dos motivos que levavam aqueles jovens a só partilharem problemas. Não era possível que naquele ano todo não tivesse rolado uma coisa boa que merecesse um destaque do mesmo tamanho que a maioria daquelas dificuldades e erros.
Ah! Essa mania de sermos perfeccionistas. Fazer o quê? Errou, errou. Paciência. Ninguém ali é funcionário da pastoral, do grupo ou da igreja. Ela não era paga para fazer aquilo. Quantos finais de semana ela deixou de lado para participar das atividades? Quantas vezes ela não esteve com a família, o namorado e outros amigos por conta dos compromissos? Muitas e muitas. E agora essa cobrança toda! Ela doava o tempo dela.
Sim, ela reclamou de tudo isso. Das cobranças excessivas, da falta de comprometimento, do acúmulo sobre alguns, do desgaste na relação, da vontade de ir embora, da tentação de não estar ali, do perfeccionismo. Desabafou. E a ela, outros no grupo também se somaram com as mesmas queixas. Parecia desanimador.
Mas como é bom um grupo que tem assessores. Nessas horas de terremoto é que eles devem agir. A assessora anotava todos os detalhes das falas. O assessor tentava maquinar em sua cabeça como transformar aquele problema em uma oportunidade de transformação. Eles pediram um intervalo para todos tomarem um ar fresco para clarear as ideias. E enquanto a turma saia eles trocaram rapidamente impressões e traçaram algumas pistas para a situação.
Na volta, a assessora pediu para colocarem num cartaz todos os problemas. Assim foi feito. Com todos eles escritos, pediu para que todos apontassem quais deles dependiam de pessoas fora do grupo para que fossem solucionados. Quase nenhum dos itens descritos estava nesta situação. Sim, eram todos problemas sérios, disse a assessora. São problemas tão relevantes que ela considerou que o grupo estaria doente.
O assessor questionou se o grupo também achava que a situação era de doença mesmo. Todos concordaram. Contudo, dado que estão doentes, mas não estão mortos, e que a maior parte dos problemas era causada por fatores internos, duas perguntas relevantes deveriam ser feitas:
- Quem está doente, quer ser curado?
- E para ser curado, está disposto a mudar hábitos?
E antes de prosseguir com a análise dos problemas, era preciso dar a motivação para a busca da cura da doença e apresentar o porquê de ir atrás da mudança de hábitos. Os assessores partilharam uma leitura. Era direcionada à moça que iniciou o desabafo e que se mostrava incomodada com a situação pela qual o grupo passava.
"Escreva ao Anjo da igreja de Éfeso. Assim diz aquele que tem na mão direita as sete estrelas, aquele que está andando no meio dos sete candelabros de ouro: Conheço a conduta de você, seu esforço e sua perseverança. Sei que você não suporta os maus. Apareceram alguns dizendo que eram apóstolos. Você os provou e descobriu que não eram. Eram mentirosos. Você é perseverante. Sofreu por causa do meu nome, e não desanimou. Mas há uma coisa que eu reprovo: você abandonou seu primeiro amor. Preste atenção: repare onde você caiu, converta-se e retome o caminho de antes." (Apocalipse 2, 1-5a)
Antes de qualquer atividade, de qualquer planejamento, de qualquer iniciativa pastoral é preciso lembrar do “amor primeiro”, daquilo que provocou o encantamento, a motivação de estar ali, de fazer algo, de plantar o Reino de Deus. A conduta pode ser irrepreensível, mas sem o fogo que nos incendeia o coração, disse a assessoria, a queda é bem provável. É preciso sempre retomar estas motivações e lembrarmos em quem depositamos nossa confiança.
Para doenças como esta que afetaram o grupo, o primeiro passo é se perceber doente. O segundo é desejar a cura. O terceiro é fazer por onde para mudar os hábitos que podem ter levado a esta doença. Mas ninguém muda de hábitos se não perceber que viver a vida é bem melhor do que viver a doença. E ninguém tem essa percepção se não tiver vivido a realidade do “primeiro amor”.
Eles aceitaram o desafio. Elencaram os problemas, perceberam as relações entre eles e as causas comuns. Viram nestas causas onde poderiam agir e que posturas deveriam ser modificadas para o próximo ano. Dividiram tarefas, traçaram metas e objetivos para as atividades. E montaram o calendário.
Quanto à jovem que iniciou esta história toda, ela voltou bem mais animada para casa. E num lampejo pastoral, enquanto estava deitada em sua cama percebeu que o planejamento só saiu porque eles pararam para ler a realidade e foram confrontados com a Palavra. Esse método nunca falha.