sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Ninguém caminha sozinho


Às vezes a gente entende a importância do grupo quando alguém falta. A cadeira vazia chama mais atenção do que a sala cheia. O encontro termina, o café esfria, e fica a pergunta no ar: “Vocês viram o fulano? Faz tempo que não aparece...”. Nem sempre alguém foi atrás. Nem sempre alguém perguntou. E é justamente aí que o grupo revela o que ele é, ou o que ainda precisa aprender a ser. Porque, na fé, no grupo, ausência nunca é detalhe; é gente.

Não por acaso, a fé cristã nunca foi pensada para solitários. Jesus não chamou indivíduos desconectados, chamou pessoas para formar um corpo. Chamou pelo nome, reuniu em torno de si, caminhou junto e enviou. O discipulado nasce do encontro e se sustenta na comunhão. Por isso, na vida da Igreja, o grupo não é acessório nem estratégia organizacional. Ele é chão e mesa: chão de comunidade, onde a fé ganha rosto, e mesa onde a caridade aprende a ter nome.

Vivemos num tempo que valoriza muito a autonomia, mas pouco o vínculo. Autonomia sem pertença vira solidão. Autonomia com vínculo vira maturidade. O grupo oferece justamente esse equilíbrio. É ali que o jovem deixa de ser invisível e passa a ser reconhecido. Onde o “eu” isolado encontra um “nós” possível, imperfeito, em construção, mas real. E isso muda tudo, porque identidade não se constrói no isolamento, mas na convivência.

Para que isso aconteça, o grupo precisa ser mais do que um espaço de atividades: precisa ser ambiente de verdade. Um lugar sem performances espirituais, sem respostas prontas. Onde há espaço para a fala e para o silêncio, para a alegria e para a dúvida. Mas aqui vale um cuidado pastoral essencial: “sem máscaras” não é “vale tudo”. A liberdade só é fecunda quando há acompanhamento, quando existe uma coordenação evangelizada que cuida dos limites, protege a intimidade e conduz os processos com respeito.

É no grupo que a fé se encarna no cotidiano. A Palavra de Deus escutada em comum ilumina a vida concreta. O Espírito Santo age gerando comunhão, distribuindo carismas, provocando conversões discretas. Deus age na correção fraterna que não humilha, na misericórdia que permite recomeçar, na paciência com quem caminha mais devagar. Age quando alguém percebe que o outro sumiu e manda mensagem. Quando alguém pede desculpa. Quando o serviço é partilhado sem aplausos. São mediações simples, mas profundamente evangélicas.

Grupo é processo, não evento. Ele se constrói no tempo, entre encontros simples, conflitos mal resolvidos e aprendizados que custam. Não existe grupo sem tensão. O problema não é a discordância, mas o que fazemos com ela. Panelinhas, favoritismos, espiritualização de conflitos, coordenação autoritária, gente que só trabalha e não é cuidada, gente que só consome e nunca se compromete, tudo isso pode aparecer. Nomear esses riscos não enfraquece o grupo; dá maturidade pastoral e evita feridas silenciosas.

Quando bem acompanhado, o grupo se torna um espaço realmente seguro. Seguro não porque nada dói, mas porque ninguém é descartado. Onde errar faz parte do caminho. Onde alguém percebe, escuta e chama para conversar. Esse cuidado cotidiano educa para a corresponsabilidade. No grupo, aprende-se que Igreja não é plateia. Cada um assume responsabilidades no seu tempo, sem protagonismos inflados nem centralizações excessivas.

E é fundamental lembrar: o grupo cristão não existe para si mesmo. Ele é parte viva da comunidade. Volta sempre para a Eucaristia, onde a comunhão se renova e se amplia. Reconhece-se parte da paróquia, em diálogo com ministérios, pastorais e serviços. E se mede também pela capacidade de sair de si, de servir, de olhar para os pobres, de se colocar em missão.

No fim, acompanhar grupos é cuidar desse chão e dessa mesa. É ter paciência com os processos. É aprender a pedir perdão quando erra. É confiar que Deus continua agindo, de forma simples e cotidiana, quando pessoas decidem, apesar de tudo, continuar caminhando juntas. Porque, na fé e na vida, ninguém caminha sozinho.


Nenhum comentário:

Postar um comentário