quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Sobre a morte e a ressurreição da CAJU


Sabe aquele vazio no peito que aparece quando uma notícia triste lhe é contada? Passei por isso há bem pouco tempo. Foi por conta de uma perda considerável. A Casa da Juventude Padre Burnier (CAJU) encerrou boa parte das atividades pastorais. Era um centro de referência de Direitos Humanos e da juventude. Publicava materiais importantes, úteis e necessários. Dava cursos, promovia debates, levantava questões, colocava o dedo na ferida, era local de acolhida, carinho e cuidado. 

Era para muitos pejoteiros do Brasil um referencial, quase um oásis. Era um local onde se estudava e partilhava a honestidade, o bom senso, a crítica, a humanidade, o ser cristão, o estar junto. Muitos jovens puderam construir seus projetos de vida sob orientação da casa. Muita gente que passou pelos cursos da CAJU acabou se tornando referência de formações pastorais nos seus locais de origem. Era de fato uma CASA da JUVENTUDE. O bem querer era a marca forte. 

Mas isso agora é história a ser contada. Eu, da minha parte, tive um misto de emoções desde que soube da notícia. Acabei, sem querer, passando pelo chamado estágio do luto, que são as cinco etapas que vão da negação do fato até a aceitação do mesmo.


Primeiro eu neguei toda a história. Você pensa que é brincadeira, conversa de rede social. Boato ou pegadinha que logo em seguida será desmentida. Não poderia ser verdade. Uma casa associada aos Jesuítas não poderia ser fechada sob a alegação de falta de verbas ou que não apresentava o carisma religioso da congregação. Isso é tudo muito surreal.

Em seguida passei pela segunda etapa do estágio do luto: a raiva. Qualquer um sabe que há inúmeras saídas para a questão financeira, que basta readequar os projetos e que simplesmente eliminá-los é a saída mais rasteira e doída. Claro que há outras questões envolvidas. O antigo diretor da casa apresentou denúncias contra a polícia local. Teve que se mudar em razão das ameaças sofridas. Há quem prefira o silêncio das mentes aquietadas ao barulho da denúncia das injustiças. Sim, eu sei disso. Mas que isso me corrói o estômago, não há como negar.

A terceira etapa é a depressão. Na verdade nem sempre é uma fase atrás da outra. No meu caso, eu misturei a raiva (já citada) com a tristeza desta etapa. Pense no bem que uma casa assim pode trazer para as mais diversas manifestações juvenis. Pense num local que é nacionalmente uma referência pastoral. Pense agora que muitos jovens, coordenadores e assessores não irão conhecer este ambiente e usufruir do conhecimento, afeto e relações que eram ali criados. Ainda mais acontecendo num ano significativo para a juventude católica, com a Campanha da frataternidade falando sobre os jovens e a Jornada Mundial da Juventude acontecendo no país. É muito triste. É o fim de uma proposta. É um fato que se repete. O mesmo triste fim já havia acontecido com o Instituto de Pastoral da Juventude de Porto Alegre.

Passei à fase da negociação e diálogo. Será que um abaixo assinado resolveria? E se nos manifestássemos para mostrar nosso descontentamento? Cartas, e-mails, mensagens. Quem sabe os jesuítas não voltariam atrás? Mas e se voltassem? Por quanto tempo seria? Quanto mais tempo viveria a Casa da Juventude? Claro que é importante marcar posição e dizer com o que não se está de acordo. Mas sabemos que são poucas as lideranças eclesiais hoje em dia que se movem pela pressão popular.

E é justamente por estas reflexões que entrei na quinta e última fase do meu estágio de luto. A aceitação. Quem se envolve com os menos favorecidos, quem denuncia as injustiças, quem faz as opções que faz sabe que não terá uma vida tranquila. Era inevitável que isso fosse acontecer. E é impressionante como não aconteceu antes. Afinal são seguidores de Jesus. E têm no nome da casa a referência ao Padre Burnier, jesuíta morto em 1976 quando, junto com Dom Pedro Casaldáliga, foi interceder por duas mulheres que sofriam torturas numa delegacia de polícia.

Da mesma maneira que os membros da Caju, nós também sabemos que morte não tem a última palavra. Se a casa acaba aqui, vai ressurgir ali de outra forma, nova e transfigurada. A morte é uma semente lançada na terra. Se for bem cuidada e não for esquecida trará bons frutos. Nossa resistência está na memória histórica. Nosso exemplo está em Jesus de Nazaré. Nosso lugar está ao lado da juventude. Nossa ação está no serviço. Nossos gestos são sempre com amor. E, apesar do sonho interrompido, dos projetos encerrados, ainda temos memória, exemplo, lugar, serviço e amor. E é por conta de tudo isso que a CAJU sempre viverá.

8 comentários:

  1. Rogerio seu texto provoca emoçoes de toda natureza. Que capacidade é esta de traduzir em palavras nossos sentmentos. Obrigada por cumprir este papel de profeta, porque papel de profeta é falar... Como diz a musica. Somos todos e todas gratos. Bjs

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  2. Rogério,

    Você conseguiu expressar nesta postagem todos os meus sentimentos em relação a esta história, exceto um, a aceitação, que eu ainda não tive. Obrigado pela sua sensibilidade com as palavras.

    Axé.

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  3. Realmente maravilhosas palavras, acho que descreve o que todos nós PJoteiros estamos sentindo! Fato é que o que nos consola é bem essa ideia de ressurreição... não é possível calar por muito tempo aqueles que lutam verdadeiramente pelo reino... vai ressurgir sim em cada pessoa que a CAJU tocou há de brotar a indignação e a vontade de ressurgir!

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  4. acredito sim nas etapas que você falou, com excessão da última, pois se adotamos a causa do reino, independente da forma, não devemos nos calar perante as injustiças.

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    1. Obrigado pela ponderação William. Mas reveja o que eu escrevi. Não falo em aceitação como passividade ou num "calar-se perante as injustiças". Pelo contrário. Aceitação é saber onde estamos nos metendo e que consequências isso acarreta. Quem entra numa luta deve aceitar que está brigando contra forças opositoras normalmente muito poderosas. Não é para se calar, mas é para ter clareza. E que quem vai até o fim, pode pagar com a vida. Foi isso.

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  5. eu não sei em que etapa me encontro mas sinto um vazio muito grande um sonho que se foi. tenho 25 anos e desde meus 16 conheço e fui transformada de alguma forma por todos os colaboradores desta casa que me acompanharam neste caminho com a pj obrigado por tudo. porém eu sinto uma dor que não quer passar.

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  6. Rogério,

    Lendo seu texto, as emoções contidas no coração novamente se remexeram, o nariz ardeu e não pude segurar as lágrimas...
    São lágrimas de raiva, indignação e tristeza, sim. Mas são também da alegria que a parte final do seu texto me trouxe de continuar esperançando..."se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão, se fecharem os muitos caminhos,mil trilhas nascerão!

    Que bom que, apesar de tudo, ainda somos capazes de acreditar. È isso que nos manterá de pé.

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  7. Querido Rogério, que texto claro, que expressão do sentimento que vem do coração. Fico feliz em poder mesmo longe perceber que os profetas não se calam. Continuam no caminho, mesmo com todas as dificuldades. Obrigada por mais uma ver lembrar que cada minuto que vivemos acreditando na possibilidade de que podemos mudar um pouquinho deste Mundo e denunciamos tudo aquilo que gera a morte não é em vão. Estamos tristes, mas tenho certeza que este não é o fim, mas o recomeço de algo novo. Vamos caminhando...abcs, Ana Cláudia

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