quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Carlão

Todo mundo tem (ou deveria ter) alguém que inspira admiração, motiva a sonhar grande, está junto para trocar uma ideia ou para botar o dedo na sua cara e dizer que o que você está fazendo não vai dar certo. E, mais do que isso, gargalha de alegria sincera quando uma vitória é alcançada.

Há pessoas assim na família, nos amigos chegados, nos companheiros de escola ou na turma da pastoral. Dessas pessoas que me inspiram eu gostaria de dar um destaque para o Carlão. Eu não posso mais chamá-lo para comermos e bebermos juntos. No último dia 8 de janeiro ele partiu em sua jornada definitiva. Foi-se e eu nem pude dar um tchau. Mas ele sempre foi assim, movido a rompantes de novidades. Por que desta vez seria diferente?


O destaque que dou aqui a ele não significa que ele seja mais do que os outros. Não que ele tivesse menos defeitos. Não porque ele carregasse mais certezas. Não. Nada disso. Pelo contrário. Ele trazia consigo uma série de defeitos. Discordávamos em alguns pontos. E ele tinha várias questões e dúvidas. Quero destacá-lo porque ele sempre foi para mim um sujeito empolgado. E, acima de tudo, ele vivenciava uma profunda mística.

Suas dúvidas não o derrubavam. Elas o alimentavam e o instigavam a prosseguir. Ele era do tipo de gente que vive tão fortemente as suas convicções que acabam passando a semear um entusiasmo contagiante. Carlão era assim. Quando o velho estava empolgado, parecia ter tanta esperança que qualquer vitória era certa. 

Quando a crise apertava, a gente ia visitá-lo, depois de um ou dezenas de esculachos ele também mostrava o lado carinhoso, receptivo e sonhador. A escuridão sempre existiu e sempre estará, vez ou outra, na nossa vida. Ele não tinha dúvida disso. Mas, teimosamente, insistia em acender um fósforo, assoprar o carvão em brasas, deixar tocando aquela canção necessária como fundo musical e anunciar a aurora.

Aquele vozeirão grosso e a oratória perfeita já eram sinais de gente em que se deveria prestar atenção. Mas o Carlão era um sujeito místico. E isso era presente no seu testemunho. Ele não só falava como viver a intimidade com Deus. Ele se esforçava no dia a dia a semear o Reino. Não era um simples guerreiro. Era, para nós, um "profeta do fogo". E, para ele, um combatente. Era pensamento, ação e emoção. Uma só força, um só pensamento, um só coração, como dizemos.

Carlão foi um grande incentivador das propostas formativas da Pastoral da Juventude. Ele sempre viu na gente um potencial claro, mesmo que a gente mesmo não enxergasse. Ele fazia questão de estar presente, fosse para falar, fosse para nos ouvir (e logo depois falar). A gente sempre o queria por perto para animar as falas sobre a proposta do Reino de Deus. Isso sempre nos fazia acreditar mais na beleza e no potencial das sementes que iríamos lançar.

Num de seus últimos textos, ele veio falar sobre a mística. Eu fui reler estes dias e fiquei pensando bastante a respeito.Ele falava de algo que é tão abstrato e incorpóreo, mas enquanto eu lia, eu reconhecia sua voz nos escritos. Meus ouvidos, tão acostumados a serem questionados pela sua fala, desta vez não eram necessários. Era vivo aquilo que eu lia. Eu poderia fechar os olhos e rememorar aquelas frases com o timbre, a vibração e a paixão que animavam a sua militância. Não era um texto vazio ou corriqueiro. Eu lia Carlos Strabeli.

Dizia o texto do Carlão: “A mística é o otimismo e a gana que nascem da nossa indignação contra as injustiças e da possibilidade real de construir, desde já, uma nova sociedade.  É uma injeção de ânimo que tem base concreta e que dá garra e ousadia para vencer o pessimismo e comprometer os excluídos no processo de libertação do povo. O militante faz isso por convicção, porque crê na vida e na fraternidade que se pode construir em cada momento”.

 Amém, Carlão, profeta do fogo!! Agora, mais do que antes, é hora de "incendiar a face da terra".

2 comentários:

  1. Era fogo, inspiração, sabedoria, carisma, paixão, E infinitas outras coisas....

    ResponderExcluir
  2. Belíssimo texto meu querido amigo. Feliz dia dos Pais.

    ResponderExcluir