sábado, 14 de agosto de 2010

Vida em comunidade - parte 2

Você conhece aquela pessoa que reclamava tanto da própria comunidade (ou grupo, ou emprego, ou relacionamento) e achava que para resolver este problema deveria se afastar? Sim, conhece. E digo que muitas destas pessoas de fato se afastam. Mas isto não resolve seu problema, pois ela sente que ainda resta um vazio. Então procura preencher este vazio entrando numa nova comunidade (ou grupo, ou emprego ou relacionamento). No começo tudo é lindo, até que um dia começa a perceber que existem pequenos detalhes neste novo ambiente que a incomodam muito. Então os detalhes começam a ficar cada vez maiores e cada vez mais insuportáveis. E a pessoa passa a reclamar deste novo ambiente...

Onde está o problema? É fácil culpar a pessoa. Talvez o problema seja ela mesma. Talvez a maneira como ela cria expectativas sobre os ambientes e relações esteja errado. Talvez até as outras pessoas não saibam lidar com ela. O fato, na verdade, não é procurar culpados, porque este só foi um exemplo. O enrosco todo está no fato de que em qualquer sociedade há pontos de vista diferentes e isto leva a conflitos de interesses. O outro sempre é um desafio. É possível viver saudavelmente em grupos sem desanimar? Vamos a algumas idéias sobre isto nas duas perguntas a seguir. Boa leitura.


23. É necessário que todos pensem e ajam igual?

Comentávamos no outro artigo que o diálogo é  a melhor saída para uma boa vivência comunitária. E é de fato. Muitos conflitos são resolvidos ou melhor encaminhados depois de uma boa conversa. Aliás, muitos de nós tendem a achar que o conflito é algo a ser desencorajado em nossas relações.

Aquele que pensa e age diferente de mim me ajuda a ver uma alternativa ao meu pensamento e à minha ação. Isto pode colaborar para que eu mude a maneira de encarar as situações ou afirmar que o que venho fazendo até então está num bom rumo. O “diferente” de mim gera conflitos e eles são geralmente vistos como algo ruim. E não são. Eles nos ajudam a crescer. Talvez toda a má fama dos conflitos seja por conta de suas consequências, em alguns casos destrutivas ou negativas.

Existem casos em que fazemos parte de grupos que tem muitas semelhanças entre si. Mas a auto-afirmação e a necessidade de solidificar a identidade do próprio grupo nos faz marcar as diferenças com estes outros grupos. Isto acontece em todos os ambientes. É uma necessidade de criar respeito a si próprio (ou ao seu grupo), seja com o intuito de aumentar o respeito ou proteger a si próprio (ou ao grupo).

Se eu dissesse que todos os grupos de jovens da Pastoral da Juventude deveriam ser desta ou daquela forma, estaria matando a grande riqueza que temos: nossas diferenças e características regionais. Claro que há uma identidade comum aos grupos. E é isto que nos aproxima. Mas a partir disto que nos é comum, há imensas possibilidades de ações e pensamentos diferentes. E são eles que nos fazem crescer como Pastoral.

Se a sua comunidade, grupo ou pastoral quer que você (ou vocês) atuem de maneira idêntica aos demais da organização, tente fazer valer o seu direito à diferença. Dialogue, mostre os prós das suas características e os contras da uniformização. Está no Catecismo da Igreja Católica que “809. A Igreja é o Templo do Espírito Santo. O Espírito é como que a alma do Corpo Místico, princípio da sua vida, da unidade na diversidade e da riqueza dos seus dons e carismas”. Se todos agirmos de maneira igual, matamos a ação do Espírito Santo nas variadas formas de ação pastoral que podemos ter.

24. Conflito excessivo desanima. O que fazer?

Eu vivi um fato que trata bem do clima conflitivo nas relações entre a PJ e alguns padres. Havia uma atividade pastoral que já era tradicional na minha localidade. Nós da PJ não estávamos gostando da maneira como ela estava sendo conduzida e para não ficarmos criando “conflitos” nas reuniões preparatórias, decidimos priorizar outras ações nossas. O padre que conduzia tal atividade, veio em uma de nossas reuniões e disse que deveríamos caminhar junto com as outras pastorais. Dissemos a ele que não concordávamos com a maneira que ele conduzia as reuniões por este e aquele motivo. Ele não deu importância aos nossos argumentos e nos disse que ou participávamos das reuniões ou não teria mais PJ para contar história.

Claro que fomos para as reuniões. E já que era para participar, começamos a questionar algumas propostas no sentido de dar um rosto nosso também ao evento. Ao final de algumas reuniões o padre responsável nos disse que a nossa maneira de participar atrapalhava o andamento da reunião. Ou mudávamos o nosso jeito ou ele daria jeito na gente. Resumindo a história, não mudamos nosso jeito e perdemos nosso assessor.

Há quem use do poder para fazer valer suas opiniões e “vencer” o conflito. Há quem use das estruturas. Quem faz pastoral da juventude deve saber que nossa ação se dá não por conta do poder ou das estruturas. É por conta da proposta de Jesus. É por conta do Reino de Deus. O nosso horizonte utópico não deve ser perdido de vista. Se nos conflitos pastorais nas comunidades, paróquias e dioceses for necessário ceder, que o façamos dentro do limite de nossa própria identidade. Recuamos um passo hoje para podermos dar dois amanhã. Sempre na direção do Reino de Deus.

3 comentários:

  1. Caro Rogério
    Bom texto para reflexão.
    Eu que há algum tempo não participo mais de nenhuma comunidade religiosa, a partir do momento que Deus me curou da cegueira, que aos poucos ruiram os pilares da igreja que participava, que a " familia " salesiana me solicitou a carta de saida daquela instituição, achei interessante seu artigo, porem gostaria de sua avaliação sobre a atual igreja e comparação com o texto que anexo abaixo, ou seja da ruptura de Cristo com a sua igreja, a igreja de seu Pai, a igreja a qual participou desde o nascimento.
    Um grande abraço e que Deus sempre o ilumine.

    Flavio R. Cardoso

    http://www.abiblia.org/artigosview.asp?id=146

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  2. Flávio, agradeço o comentário a respeito deste artigo. Mantenho por você e pela Valéria o mesmo respeito e admiração dos tempos em que éramos todos "mais jovens". A importância de vocês na minha história não há tempo, distância ou carta que irá apagar.
    Quanto ao texto que você anexou, eu o li. Concordo com boa parte do que está escrito. Talvez o autor tenha se esquecido, porém, da clássica passagem do "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Há um claro indício ali de que Jesus também não concordava com o sistema romano de morte e exploração. Devolvam ao César o que é dele, ou seja, toda a ordem de exclusão, mártirio e dor que afligiam o povo judeu e devolvei a Deus o seu povo.
    Você me pede uma comparação entre o texto e o panorama atual da Igreja. Há muitos cenários dentro da atual conjuntura, embora, dentro da própria instituição queiram dizer muitos que há um só rosto de Igreja. Eu torço, espero e me esforço para que todos os rostos de Igreja se voltem para o mesmo e original horizonte que é o Reino de Deus.
    Sobre os conflitos eclesiais, eu quero voltar ao assunto na pergunta 28. Está perto e logo logo eu chego lá.
    Enquanto isso, eu também sugiro no final uma leitura que é de um blog de um amigo meu que me lembra bastante você.

    Forte abraço

    http://oabsurdoeagraca.blogspot.com

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  3. Caro Rogerio
    Li os artigos e sei que é Boffiano ( rs )o que posto abaixo e que retirei de um dos textos do blog, mas é assim que vejo a igreja tal e qual o teólogo, peregrino e pecador Leonardo Boff.
    Abraços
    Flavio apenas Cristão ( sem rótulos )

    Por que persiste a Igreja-poder?
    Leonardo Boff

    Vou abordar um tema incômodo mas incontornável: como pode a instituição-Igreja, como a descrevi num artigo anterior, com características autoritárias, absolutistas e excludentes se perpetuar na história? A ideologia dominante responde: “só porque é divina”. Na verdade, este exercício de poder não tem nada de divino. Era o que Jesus exatamente não queria. Ele queria a hierodulia(sagrado serviço) e não a hierarquia (sagrado poder). Mas esta se impôs através dos tempos.

    ...Em razão desta rigidez dogmática e canônica, a Igreja-instiuição não é vivida como lar espiritual. Muitos emigram. Dizem sim ao cristianismo e não à Igreja-poder com a qual não se identificam. Dão-se conta das distorções feitas à herança de Jesus que pregou a liberdade e exaltou o amor incondicional.

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