segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Alargar o horizonte

Outro dia, numa conversa, um jovem perguntou quem era Dom Luciano Mendes de Almeida. Falecido há mais de sete anos, talvez fosse natural que aquele jovem não o conhecesse. Mas não deveria. É nossa missão perpetuarmos a memória daqueles que representaram um projeto de vida baseada no Evangelho e, consequentemente, de lutas populares.

Bispo auxiliar em São Paulo e arcebispo em Mariana, Dom Luciano era um Pastor, fosse no ambiente carcerário, na luta pelos direitos humanos, pela participação da juventude, da dignidade das famílias camponesas, da vida das crianças ou no caminhar com os mais excluídos.

O artigo abaixo foi publicado originalmente em 15 de janeiro de 2005 para a Folha de São Paulo. O texto, que é indicado aos adultos (sejam ou não assessores; sejam ou não católicos), sugere uma série de reflexões. Sim, passados nove anos, muita coisa mudou, porém há tantas coisas iguais. Talvez seja uma afronta, já que estas poucas linhas não podem representar quem foi Dom Luciano. Mas esta é uma introdução, uma lembrança, um aperitivo para pesquisas maiores. Que suas palavras ainda possam nos incomodar e levar-nos a uma reflexão e mudanças de atitudes.


Penso em primeiro lugar na juventude. Qual é a herança que passamos aos nossos jovens? Há, sem dúvida, conquistas excelentes na tecnologia, na área da comunicação, nas descobertas do mistério da vida  e a enumeração se estende em vários campos. Temos, no entanto, que reconhecer o detrimento causado na vivência dos princípios morais com uma série de desmandos que afetam a vida pessoal e familiar e causam a perda de referencial sobre o próprio sentido da vida humana. A consequência é conhecida. Quem de nós não percebe o crescimento da dependência alcoólica, do uso de drogas e da banalização do sexo? Criou-se, aos poucos, uma cultura permissiva que idolatra o prazer e se contenta de emoções fugazes.

Há fatores que contribuem para essa situação, como a ambição pelo dinheiro, a falta de critérios em programas televisivos, o incentivo aos grandes espetáculos de massa que despersonalizam os jovens, induzindo comportamentos miméticos. Nem podemos esquecer a desarticulação da sociedade, que não consegue oferecer trabalho e condições de sobrevivência digna às novas gerações.

Crescem a frustração e o vazio, que se refletem em enormes grupos de jovens que se aglomeram nas praças, noites a dentro, curtindo em conjunto o passar das horas, envolvidos por gritos e sons estridentes que impedem até a conversa entre as pessoas e provocam um ambiente de nervosismo, desgaste psíquico e desequilíbrio.

Tudo isso são fatos conhecidos e que necessitam a vontade de oferecer novos valores que respondam às expectativas mais profundas do ser humano. É certo que a organização da sociedade poderá facilitar quadros de trabalho, opções de ocupação sadia das energias e do tempo.

É preciso, porém, "alargar o horizonte" e repensar o nosso modo de viver. O mundo ficou marcado pelas injustiças, pela violência, pelo ódio, pela segregação e pela perda da vontade de sobreviver. A solução se encontra na redescoberta da transcendência do ser humano, da sua abertura a Deus e à felicidade que ultrapassa os engodos e miragens do cotidiano. Somos destinados à vida feliz que se identifica com a alegria da verdade, da adesão ao Bem e à superação do medo diante da morte. É aqui que brilha a beleza da revelação cristã, afirmando o projeto divino da vitória sobre o pecado e a sobre morte e a esperança da realização na plena comunhão entre nós e com Deus.

Ao mesmo tempo em que se alarga o horizonte na confiança em Deus e na promessa da felicidade, surge também a valorização desta vida terrena, que adquire todo o seu sentido como a experiência fraterna da liberdade que supera o egoísmo e se abre para o dom de si.

Nada realiza mais a pessoa humana do que a vivência da gratuidade do amor, aliada à certeza da eternidade feliz. Sem a esperança não entendemos a existência terrena. Mas, iluminados por essa esperança, encontramos a alegria de respeitar e de amar a pessoa humana, de estreitar laços de amizade, de vencer discórdias e barreiras, de construir relações de solidariedade fraterna.

Somente o horizonte de transcendência liberta dos apegos e das amarras das bagatelas e dos fogos-fátuos.

Como devolver aos milhões de jovens a alegria de amar e ser amado?

Essa é a melhor herança que podemos oferecer às novas gerações. Nossos jovens merecem ser felizes.


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