terça-feira, 8 de setembro de 2020

Sobre o Terço na minha história


O ano era 1983. A crise no setor da construção civil cresceu e colegas que trabalhavam com meu pai eram demitidos. Não demorou muito e no começo do ano seguinte foi a vez do meu velho. Foram meses difíceis para meus pais. Em dezembro daquele ano, eles resolveram alugar a casa em São Paulo e nos mudarmos para o interior, onde tínhamos um sítio.

Quem lê isso agora, pode pensar que era um sítio charmoso, daqueles de veraneio. Não era não. Era natureza pura. Mata virgem na maior parte. Uma e outra bananeira. Era no Vale do Ribeira em São Paulo, região com estas características. E a gente foi ser isso. Plantador de bananas.

O sítio não tinha energia elétrica. Eu tinha 11, 12 anos. Estudava na vilazinha ao lado da rodovia e aos finais de semana e feriados subia os seis quilômetros de serra a pé para ir ajudar nas plantações. E no sítio, toda noite a rotina era a mesma. Depois do banho, a janta. Depois da janta, o terço. Depois do terço, o radinho de pilha sintonizando alguma estação AM que tocasse música caipira. Tudo sob a luz de um lampião de gás. E antes das 21h00 estávamos todos deitados.

Fiz toda essa introdução para contextualizar quando a oração do terço entrou na minha vida. A cabeça de um garoto de 11, 12 anos, poderia ter facilmente a visão de que era uma oração repetitiva. E era mesmo. Seis pai nossos, cinquenta e três ave marias, seis glórias ao pai, uma salve rainha, além da ladainha de nossa senhora que minha mãe sempre conduzia. De fato, era repetitivo. Era muita oração. Às vezes era cansativo. Mas fui percebendo que era um jeito simples de estarmos juntos e falarmos da vida e estarmos com Deus.

Quis a vida que voltássemos para São Paulo no meio do ano de 1986. Voltei para minha comunidade de origem. A capela de Nossa Senhora de Fátima eram dois cômodos somente, pequenina, pouca gente, num bairro em que crescia a população e a própria importância.

Em 1987 minha mãe se tornou catequista. Meu pai começou a tocar a reforma e ampliação da capela. E em toda semana a comunidade se reunia uma noite para rezar o terço. E assim, essa prática voltou para minha vida, mas agora num sentido mais ampliado. Era uma comunidade que se reunia, rezava por suas intenções, falava da vida, refletia o evangelho, identificava-se com a figura materna de Nossa Senhora e se fortalecia para as lutas diárias do cotidiano.

Maria, mãe de Jesus nunca foi uma figura distante na minha vida. Era, como disse, uma mãe, não só do jovem de Nazaré, mas de quem a assim considerasse. Era uma mulher concreta que viveu a dificuldade da vida, entendendo como esta funcionava e que assumiu em seu dia a dia o projeto de Deus. Alguém que entenderia nossos lamentos e em quem podíamos confiar.

Meditar cada mistério do terço era, para mim, um resgate da minha curta experiência de vida e que com o tempo foi se atualizando com o fazer a memória do texto bíblico e entendê-lo no nosso dia-a-dia. Rezávamos nos grupos de rua, com a juventude, nas novenas, com os salesianos. Além das passagens, meditávamos a nossa vida.

A repetição pode ser vista como algo cansativo, mas ela também é vista como uma forma de conexão com o que há de sagrado na vida e em cada pessoa. Assim é no catolicismo, com todo contexto dito acima, como também em outras tantas religiões, cada uma com sua particularidade.

Nestes tempos de pandemia, enquanto escrevo este texto, o terço voltou mais forte em minha vida por causa das tantas pessoas que pedem orações. Um amigo da nossa família foi parar na UTI por causa do COVID-19. A comunidade de origem dele passou a rezar toda semana por intenção de sua recuperação e de tantas outras pessoas que passam por esta situação. Como não podemos nos encontrar, rezamos numa sala virtual, destas usadas em reuniões online. 

Mais do que o aspecto racional da atualização dos mistérios rezados em cada terço, há o elemento do sentir-se comunidade que a religiosidade popular carrega. Meditar em cada mistério, em cada Pai Nosso, em cada Ave Maria pelas tantas intenções que as pessoas carregam é um ato de fé. É confiar a cura, a recuperação, a saúde, a vida de tantas pessoas que queremos bem e de outras tantas que nem conhecemos aos cuidados de Deus, com a intercessão de Maria.

E este convite é necessário. Se você não pode rezar com sua comunidade, sinta-se unido, unida a tanta gente que no sofá da sala, na cadeira da cozinha, num cantinho da cama no quarto pede a Deus a saúde, a recuperação e, por vezes, o que nos parece impossível.


3 comentários:

  1. Marlene Campachi Arboleya8 de setembro de 2020 às 18:35

    Rogério desejo que Maria nossa mãe ouça cada conta do terço e resgate vidas! Eu TB cresci rezando com meus pais todas as noites.Sim era cansativo mas hoje sou muito grata a minha mãe pela insistência da oração nas nossas vidas! Um forte abraço e sinta minha oração.

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  2. Gratidão Meu irmão Por tudo vivido juntos neste ano cheio de Turbulência mas tbm Cheios de Vitórias e Conquistas.

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  3. Gratidão Meu irmão Por tudo vivido juntos neste ano cheio de Turbulência mas tbm Cheios de Vitórias e Conquistas.

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