sexta-feira, 12 de março de 2021

A Beleza da Estrutura

 Diz um antigo conto que uma mulher sábia veio de longe pela estrada e notou que haviam três homens numa construção, todos executando exatamente a mesma tarefa. Chegando mais próxima, ela reparou que as expressões em seus rostos eram distintas e isso lhe chamou muito a atenção. Então ela se aproximou de cada um deles oferecendo água e perguntando o que estavam fazendo ali.

Rispidamente o primeiro disse: “Estou assentando estes malditos tijolos, não está vendo? Que pergunta mais estúpida”. E não aceitou a água oferecida pela mulher. Notadamente ele não estava bem, pensou ela, ou então não gostava daquilo que estava fazendo. As circunstâncias o tornaram amargo.

O segundo homem parou o que estava fazendo, apoiou-se mais firmemente sobre uma das pernas, enxugou o suor do rosto com um velho pano e agradeceu a água. “Estou construindo uma parede, mas não estou nem na metade. Repare o tanto que já fiz e o tanto que ainda falta. É uma senhora parede. Há muito ainda por fazer, com licença, mas ganho por produção e o patrão é severo”, Seu olhar estava distante, era um homem cansado e sobrecarregado.

“O que estou fazendo aqui?” O terceiro homem parou, sorriu, empilhou dois grupos de tijolos, estendeu dois panos sobre eles e convidou a mulher para sentar-se com ele. “Estou construindo uma escola. Cada tijolo que assento aqui torna o sonho destas crianças mais próximo. Eu nunca estudei numa escola, sabe senhora. Era um desejo profundo, mas não deu. Mas aqui, sei que posso ajudar a construir o sonho de alguém. É isso. É mais do que uma escola. Cada tijolo que eu e meus amigos aqui assentamos ajuda a construir sonhos”.

Venho matutando sobre esta história desde que ouvi alguns jovens pejoteiros reclamarem das estruturas e organizações pastorais. Devo condená-los? É claro que não. Eu já estive em diferentes instâncias da PJ e sei o quanto elas cobram e desgastam. Vivi esta realidade e vi gente querida sofrer por causa delas.

O que devemos fazer? Acabar com todas as estruturas ou normalizar o sofrimento? Antes de pensar se esta ou aquela alternativa é a melhor, vale deixar uma pergunta pendurada, sem resposta definitiva, só para provocar um questionamento no contexto. Por que raios a gente normalmente pensa as alternativas como situações extremas, opostas? Penso que há sempre outras soluções ou no meio do caminho ou em caminhos alternativos. Mas, por ora, vamos falar destes extremos.

Acabar com as estruturas significa exatamente isto que se coloca, extinguir todas as formas de ligações que as experiências grupais e institucionais possuem. Olhando para estes quase 50 anos de organização juvenil, quem manteve a unidade da proposta, da nossa identidade? Quem resgatou e traduziu para novas gerações as experiências da Ação Católica Especializada? Quem foi colhendo aqui e acolá, no Brasil e pela América Latina, experiências bem sucedidas de metodologia, espiritualidade, trabalho em grupo, formações ou capacitação? Pois é. Para todas as perguntas a resposta é uma só: a bendita estrutura pastoral.

Mas se é assim, todo peso, toda mordaça, toda dor deve ser suportada? Deve ser considerado “normal” quem está na estrutura sofrer porque a pastoral faz o bem? Sabe que na vida pastoral a gente acaba ouvindo absurdos como estes. Não! Não se pode normalizar o sofrimento, o peso ou a mordaça. Não é isso que a PJ prega e nem isso que ela aceita. E quando acontece é porque algo está errado. 

Lidar com pessoas normalmente é um dos nós deste emaranhado que por vezes pode sufocar. Tem gente que se atola de compromissos porque o amiguinho da coordenação se faz de desentendido, encostado e sem ação. Tem gente que fica magoada porque fulano ou beltrana da equipe é muito genioso ou intolerante e não vai aceitar críticas. Correção fraterna, gente. Acompanhamento pessoal da assessoria. Revisão de vida e prática. A gente tem tantas ferramentas para acertar o passo.

Lidar com outras estruturas também não é fácil. Negociar com o padre, com o conselho, com aquela liderança que tem voz e peso nas decisões, mas que não gosta nem um pouquinho da PJ não é moleza. Caríssimo e caríssima, você não está só nessa empreitada. Há uma organização muito grande que você está representando ali. Isso tem peso. E se você não se sente preparado, existe a assessoria na PJ para acompanhá-lo e lhe dar as ferramentas necessárias para as negociações. E se a assessoria não se sente preparada, ou desconhece os meios de negociação, que ela busque apoio nas redes de assessoria, nos centros e institutos, nas demais instâncias pastorais. A gente não pode sofrer, nem deixar sofrer e muito menos fazer sofrer.

É este o caminho alternativo que vejo.

O garoto que está na coordenação do grupo de base e que se liga ao grupo da comunidade vizinha e que juntos têm contato com aquilo que é articulado em nível diocesano já formam uma rede bonita. As particularidades de cada diocese se refletem nos regionais e a unidade da PJ se encontra no nacional. O tijolo que se assenta aqui tem reflexo em toda estrutura. Mas se essa estrutura toda não for ligada pela espiritualidade do Reino de Deus, desmorona. Se não estiver alicerçada na missão de Jesus, desaba. Se não tiver muito amor envolvido, muita correção fraterna, muita sinceridade cordial, é só uma estrutura e nada mais.

Esse é o olhar do terceiro homem do conto. O trabalho é duro e pesado, e ele não nega isto, mas tem a visão do porquê da obra. Não é só o tijolo ou a parede. Nem é só o que eu faço, é o todo. Por isso, não é nem é a escola. É o sonho. É a utopia. Sigamos.

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