sábado, 16 de julho de 2011

Não há libertação sem risco de perder

Outro dia estava ouvindo um CD que eu aprecio muito. Era do Padre Zezinho. Dentre as canções que ele interpretava, parei para refletir numa letra que eu já cantara tantas vezes. A música era “O amor é a resposta”. E acabei ficando com o verso que dá título a este artigo na cabeça por alguns dias. Não há libertação sem risco de perder.

A princípio vieram a minha mente tantos mártires que celebramos em nossas comunidades e atividades. A partir deles nós fazemos memória das vidas doadas por uma causa. Mas no fim das contas, este é o grande paradoxo. Se nós celebramos o Deus da vida, porque lembramos daqueles que morreram por uma causa e até os colocamos como exemplos de uma vida com propósito?


Eu lembro aqui de um velho amigo assessor que nos ajudava na preparação de um encontro com lideranças juvenis. Queríamos utilizar no momento de celebração as fotos, os relatos e as memórias de mártires da caminhada. E ele, num momento de provocação, acabou nos questionando do porquê daquilo. Disse que os jovens de hoje não entendem o martírio, por se tratar de uma geração que valoriza demais o momento presente e as delícias da vida.

E este foi justamente o enfoque dado. Qual o propósito da vida? Vale a pena gastar a única vida que sabemos ter por uma causa? A pessoa que dedica seu viver a uma ideia ou a uma prática importante não morre depois que seu corpo tomba. A gente olha para Jesus e tem esta confirmação.

O que Jesus disse e viveu foi tão importante e tão significativo que não poderia ser esquecido, não poderia ter morrido naquela tarde de sexta feira que hoje chamamos de santa. E não morreu. A derrota numa batalha é momentânea. A vida tem que prevalecer.

A vitória sobre a morte é a fonte de inspiração para outros tantos e outras tantas seguidores e seguidoras da proposta de Jesus. Gente que ama viver, mas vive por um propósito. E este propósito aparece nas ações desta pessoa, pelo seu testemunho.

A expressão “dar testemunho” em grego se expressa pela palavra “martyria”. Nas primeiras comunidades cristãs, este “dar testemunho” era sinônimo de “dar a vida” pela causa do Evangelho. E, mesmo hoje, o exemplo de um antievangelho continua a nos interpelar e a nos cutucar no comodismo que muitos vivem.

Quantos sinais de morte existem? Quantos pobres, excluídos ou jovens continuam a viver numa situação de opressão que deveria servir para incomodar nossa fé e prática cristã? Eles continuam a viver só os sofrimentos e dores da sexta-feira da Paixão. Eles estão, como disse o pe. Agenor Brighenti, estampando em seu rosto, o rosto desfigurado do Senhor.

Retomo aqui a lembrança, dentre tantos que deram a própria vida por uma causa, da vida do Pe. Gisley. Ele era assessor nacional do setor juventude quando as pastorais da juventude lançaram a campanha nacional contra a violência e o extermínio de jovens em 2008. E foi morto num assalto por alguns jovens em 2009.

Ele não foi morto porque combatia a violência e o extermínio de jovens, mas morreu porque vivemos num sistema em que jovens são lançados à margem da sociedade e que não valoriza a vida. A vida do Pe. Gisley foi de combate pela vida da juventude. E o seu sangue derramado é sinal de que há muito a ser feito ainda.

O testemunho de mártires de ontem e de hoje é como a semente que se lança na terra. Regadas pelo sangue do testemunho, são vidas que não acabam na sexta feira santa. Mas cultivadas pela memória e pela caminhada dos cristãos, são árvores fortes e firmes que nos alimentam com seus frutos e nos fazem seguir em frente numa Páscoa que não acaba. Vem, vamos em frente. Há muita vida a ser defendida. Há uma Boa Nova a ser testemunhada!

2 comentários:

  1. Bom texto!
    Mas, não entendo porque fazem do P.Gisley um santo, quando na verdade ele morreu também em virtude de sua conduta moral. Foi grande o nosso esforço para não deixar sair na mídia o porque ele estava naquela situação que gerou a sua morte. Violência, sim. Atentado contra a vida, sim. Mas também infidelidade do P. Gisley. O engraçado é que vocês muitas vezes criticam justamente aqueles que não deixaram manchar a imagem do P. Gisley para que o trabalho que ele realizou não se perca (embora ele mesmo tenha elameado a sua imagem).

    ResponderExcluir
  2. Caro Anônimo, obrigado por escrever. A intenção deste texto não foi fazer do Pe. Gisley um santo. Por favor, reveja se há algo assim no texto. Infelizmente desconheço o que você chama de infidelidade do Pe. Gisley e que tenha enlameado sua imagem. Peço também que me aponte onde foi (neste ou em outros textos) que eu critiquei àqueles que não deixaram manchar a imagem dele.

    ResponderExcluir