segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Esse dia não é hoje

Filhos de Gondor! De Rohan! Meus irmãos. Vejo em seus olhos o mesmo medo que tomou meu coração. Poderá vir um dia em que a coragem dos Homens termine, quando deserdarmos os nossos amigos e trairmos os laços de amizade, mas este dia não é hoje. Uma hora de lobos e escudos despedaçados, quando a era do Homem for destruída, mas esse dia não é hoje! Hoje nós lutamos. Por tudo que amam nesta bela terra, eu peço que resistam, Homens do Ocidente!

O trecho acima é de uma das cenas do filme “O Retorno do Rei”, terceiro filme da trilogia de “O senhor dos anéis”. Diante da falta de coragem dos soldados perante um inimigo muito mais poderoso, Aragorn os convoca e os motiva para a luta. É um dos discursos mais bonitos do filme, em minha opinião.

Pensei nesta passagem quando ouvi notícias de desarticulações pastorais, desânimo de boas lideranças, dificuldades de toda ordem de grandeza, fossem elas financeira, de quadros, de apoio ou de outros recursos. Claro que não é fácil encarar uma dificuldade. Por mais que elas carreguem em si a marca da dureza ou do tropeço, também apresentam o lado da oportunidade.


Sim. Encarar uma dificuldade e superá-la dá um sabor muito mais gostoso à vitória. Encarar a dureza da batalha e sair no empate mostra que o inimigo não era tão feio quanto parecia ou que você não tinha dimensão da sua força. Enfrentar o inimigo e sair derrotado não é uma derrota completa. Você pode ter a certeza de ter feito o melhor, de ter se dado por completo. E encarar os medos nunca será uma derrota.

Medos. Eles podem ser sinais de alerta para uma situação de perigo. Não podemos ser irresponsáveis em nossa ação pastoral. Claro que há situações em que o medo aparece. Isso é natural. O que não podemos é deixar que estes mesmos medos nos paralisem. Peça a Deus o discernimento e confie. “De fato, Deus não nos deu um espírito de medo, mas um espírito de força, de amor e de sabedoria”. (2Tm 1,7).

Não se deixem paralisar. Os inertes não constroem a história. “Não tenha medo, pois eu estou com você. Eu sou seu Deus. Eu o fortaleço, eu o ajudo, eu o sustento” (Is 41,10). Pode ser que chegue o dia em que tenhamos medo, em que nossa coragem termine e nos paralisemos. Mas esse dia não é hoje.

E a covardia leva a muitos a mostrarem seu lado individualista. O covarde divide a força do grupo, age pelo instinto da autopreservação e enfraquece a ação do coletivo. O covarde não é líder. Normalmente se escora na figura de outro, age pelo outro, através e por causa do outro. E quando algo nesta relação cai (falta de fé, de entusiasmo, sentimento de perigo, por exemplo), o covarde mostra a que veio. Abandona o barco, dispara todo tipo de acusação contra os outros e não assume nunca sua responsabilidade no processo.

Pode ser que chegue a hora de nos acovardarmos. Posse ser que falte a coragem de enfrentar os problemas, de assumir as broncas, de sermos profetas ou que a vontade de nos escorarmos uns nos outros, de fugir à responsabilidade venha e bata à nossa porta. Pode ser que um dia a covardia nos faça esquecer a importância dos amigos e da amizade. Pode ser que caiamos na tentação de abrir esta mesma porta. Mas esse dia não é hoje.

Medo, covardia, esquecimento da amizade e de toda sua história. A vida se dá nas relações. E elas são sempre desafiadoras. Aquilo que é diferente me obriga a tomar uma decisão: abraça-lo, conhece-lo ou repudiá-lo? Quando tomar esta decisão? Na PJ o desafio sempre é conhecer. Há quem não entenda o diferente e tenta repudiar o diferente logo de cara. Há quem o entenda bem e não o aceite, mas não tenta convencer ninguém de sua posição com bons argumentos, mas com o poder do medo e da força. Não caiamos nas armadilhas dos lobos. É a tentação do mais simples.

Pode ser que chegue o momento em que achemos que nada disso vale a pena e que os lobos sempre estiveram com a razão. Pode ser que cheguemos ao instante em que a certeza cega nos impeça de ver a beleza das cores e que as vendas nos olhos e os ouvidos tapados só nos permitam a condução de um único e falso mestre, mas este dia não chegou. Não é hoje!

Pode ser que chegue a hora em que nossas defesas se rompam e que nossos escudos e espadas se quebrem. Mas se isso acontecer é sinal de que lutamos. E se lutamos é porque acreditamos. E se acreditamos, não desistimos. E se não desistimos, não deixamos o medo vencer, não abrimos a porta para a covardia, não nos esquecemos de nossa companheirada, não nos fechamos à ditadura de um único olhar e interpretação. Sabemos que ainda não chegou o dia em que abandonaremos tudo isso.

Por tudo que amamos e aprendemos nesta pastoral, hoje não é dia de desistir. É dia de resistir, dia de persistir, dia de acreditar. E é por ter certeza disso, de que o dia do fim da PJ não chegou, que continuamos a carregar esta bandeira. Somos seguidores de Jesus morto pelo poder dos lobos e ressuscitado pelo poder de Deus. Somos seguidores do Moreno de Nazaré que veio para que todos tivessem vida em abundância. Somos seguidores daquele que se aproxima dos mais fracos e desprezados e que lhes devolve a esperança. É por causa dele que acreditamos que hoje nós não desistimos. Hoje, nós lutamos.

2 comentários:

  1. Parabéns Rogério por esse pelo texto, eu precisava ler algo assim. E que Deus continue a te abençoe sempreee.
    Fraterno Abraço

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  2. Gostei muito do texto. Gosto muito desta leitura de literatura que parece descontextualizada. Um outro momento do livro Senhor dos Anéis, muito interessante é quando os dois magos se defrontam e somente eles conseguem ver o sentido do discurso mentiroso e verdadeiro. Bem meus parabens pela leitura compartilhamento

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