quarta-feira, 5 de março de 2014

Beijinho no ombro

Historicamente, por aquilo que vi, ouvi e li, a PJ já teve momentos áureos, mas poucos foram duradouros. Nesta ou naquela localidade faz um trabalho bem feito, mas hoje, muito mais do que antes, não tem um papel hegemônico na evangelização da juventude. Isto é triste?

Não. Não é. A hegemonia não é boa para ninguém. Sei que alguns colegas podem achar que ter o trabalho reconhecido e ser uma referência pastoral seria uma boa, dado que seu cotidiano é de lutas, machucados e cansaços. 

Não é fácil tomar pancada todo dia. Não é fácil organizar a juventude e promover encontros e formações onde aparecem sempre os mesmos ou cada vez menos deles. Não é fácil ir pedir ajuda ao pároco e ouvir dele que há tempos não juntamos mais do que 12 jovens e que por isso ele vai dar um apoio maior ao movimento A, B ou C.


A tentação vem e bate à porta. Há pejoteiros que olham para estes movimentos e desejam profundamente o apoio que eles têm (seja financeiro, estrutural, afetivo ou presencial). Se eles não passam a imitar as práticas destes grupos (o que em muitas vezes coloca em risco a identidade pastoral dos grupos, como já tratamos aqui), passam a invejá-los.

Inveja não é coisa boa. Diz o ditado popular (adaptado, claro) que inveja é o resultado sólido do processo digestivo. É uma metáfora, mas diz bastante do que ela pode representar. É um pecado, segundo o que nos ensina a Igreja: “Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pela desgraça do próximo e o desprazer por sua prosperidade”.

Se a inveja é uma coisa ruim quando se trata de outro grupo, o que dizer então quando ela vem de “gente de casa”? Quando ela nasce dentro da própria pastoral em relação a outro grupo da pastoral? Ou de um colega pejoteiro em relação a outro?

É uma coisa tão sem sentido que foge aos critérios racionais e só se consegue resposta quando se olha para os aspectos mais primordiais e infantis do ser humano. É possível conceber que um grupo pejoteiro deseje que outro grupo pejoteiro fracasse e definhe porque aquele é um grupo mais forte?

Alguém vê sentido em desejar que aquela liderança se dê muito mal no papel de representante porque, no fim das contas, alguém guardava em si o desejo de ser ele próprio o representante no lugar do primeiro?

Outros colegas dirão que este problema não tem nada de psicológico. A inveja é resultado de uma percepção política da realidade e o que se disputa na verdade é o poder e o ter. Ou seja, quando o grupo desejou que o outro definhasse era para que o primeiro tivesse mais status. Quando a liderança invejou a representação alheia é porque viu nela a possibilidade de ascender politicamente e ter um poder decisório maior.

Seja psicológico ou não, infantil ou não, político ou não, ideológico ou não, a inveja não trabalhada acaba por se tornar um elemento destrutivo dentro da própria estrutura (seja dentro da PJ ou no relacionamento da PJ com outros grupos). E como elemento desagregador, precisa ser trabalhada.

Há quem trabalhe a inveja alheia seguindo a linha cantada pela Valesca Popozuda. “Desejo a todas inimigas vida longa / Pra que elas vejam cada dia mais nossa vitória / Bateu de frente é só tiro, porrada e bomba / Aqui dois papos não se cria e nem faz história. // Acredito em Deus e faço ele de escudo / Late mais alto que daqui eu não te escuto / Do camarote quase não dá pra te ver / Tá rachando a cara,   tá querendo aparecer // Não sou covarde, já tô pronta pro combate / Keep Calm e deixa de recalque / O meu sensor de periguete explodiu / Pega sua inveja e vai pra… / (Rala sua mandada) // Beijinho no ombro pro recalque passar longe / Beijinho no ombro só pras invejosas de plantão / Beijinho no ombro só quem fecha com o bonde / Beijinho no ombro só quem tem disposição”.

Embora venha com ironia, balanço e sensualidade, a mensagem final da música não pode condizer com o nosso testemunho. O desprezo pelo outro não é atitude evangélica e não promove e contribui para que a pessoa invejosa se torne uma pessoa melhor. 

O pecado da inveja é combatido pela virtude da caridade. A caridade tem como frutos a alegria, a paz e a misericórdia. Que ainda mais neste tempo de quaresma seja um tempo de conversão. Que possamos refletir e testemunhar mais estes frutos e que nossos “beijinhos” sejam para saudar uma realidade de compromisso coletivo pelo bem e pela paz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário