domingo, 27 de agosto de 2017

Que marcas que a PJ deixou?

Aqueles dias eram tempos de sonhos. Cinco amigos, ou melhor, quatro amigas e um amigo. Meados dos anos 2000. Grupo de jovens da paróquia. Uma formação bem feita. Um acompanhamento exemplar. O desejo de semear o Reino de Deus era enorme. A articulação conduzida como deveria sempre ser. Vários grupos se conheciam. O DNJ era famoso.

Havia uma promessa particular entre estes jovens amigos. Eles queriam ver e ajudar a fazer do mundo um lugar melhor. Queriam se capacitar. Olhavam o futuro com esperança. Seguir o exemplo de Jesus era condição. Mas passados cerca de 10 anos, o que ficou?


Pepeu hoje é assessor parlamentar. Sempre foi voltado às questões sociais. Foi o primeiro a se filiar a um partido político. Gostava de trabalhar junto às comunidades, ouvir suas queixas, agilizar e organizar formas de reinvindicações. Tinha a sensação de que poderia fazer coisas boas com este tipo de atuação.

Passados alguns anos, Pepeu viveu da alegria de conseguir ajudar a eleger um deputado da região, à mediocridade da burocracia de um mandato. Longe das ruas e das periferias, ele mal consegue ouvir o povo novamente. Vive no telefone e nos contatos para garantir a evidência do deputado. Engolido pela máquina política, sua tarefa são projeções financeiras, projetos e articulações. E hoje ele é só apenas uma engrenagem do sistema.

Rute foi a primeira a sair da pequena cidade, ainda nos tempos do grupo de jovens, para se aventurar na capital. Indo para estudar, nunca mais voltou. Graduação, pós-graduação, MBA. Hoje faz mestrado em macroeconomia, para ajudar sua empresa nos quesitos de otimização de carteiras e gerenciamento de risco.

Vive uma vida em função do trabalho. Tudo que conquistou foi através do seu salário. Pôde conhecer países, culinárias, espetáculos, parques infantis nos Estados Unidos, tudo em seus 30 dias de férias anuais. É grata a Deus por trabalhar nesta grande empresa internacional. Não lhe causa incômodo que esta mesma empresa esteja desmatando boa parte das florestas nacionais tendo em vista um novo contrato assinado com o governo brasileiro. Não se imagina que ficasse chateada se soubesse da subcontratação de mão de obra infantil no outro canto do mundo para um trabalho braçal e contínuo, ao custo da miséria local. Literalmente, Rute vive noutro mundo.

Situação um tanto quanto distinta vive Carolina. Ela faz parte de uma imensa maioria que só sobrevive. Ela sabe que boa parte das pessoas passa por uma situação difícil e considera até que vive, porque vez ou outra pode curtir, sair, beber, dançar ou visitar pessoas. Mesmo que trabalhe em algo que não goste, Carolina não possui grandes sonhos, só pequenos: a expectativa pelo fim de semana, pelas férias, pelo encontro, pelos momentos de prazer.

Mas há um grande sonho sim: ganhar mais dinheiro para poder ter mais momentos de folga. Enquanto não ganha na loteria, Carolina trabalha mais, fica mais tempo longe das pessoas que ama, pensando num futuro que custa a chegar. Talvez queira se tornar patroa. Aí sim. Aí talvez as pessoas a valorizassem mais.

Bete não. Ao contrário de Carolina, ela não se deixou enganar pela realidade. Sabe que é e por que é difícil. Talvez por isso possa sofrer mais. Seu desejo não é ser patroa ou ser valorizada. Sabe que custa muito sobreviver. E por isso buscou se capacitar. Sabe que precisa trabalhar e que vive num sistema que a explora. Mas não quer ser mão de obra barata. Sabe que está tudo muito errado e seu sonho é ir mudando aos poucos as relações que vive, conscientizando quem conhece.

Por isso procurou trabalhar em algo que gostava de fazer. Suas conquistas e momentos felizes neste ambiente não são espetaculares, nem ganham manchetes nos portais da internet, mas a pessoa se atira com pequenas vitórias. Uma boa palavra aqui, um ato de justiça ali, a verdade bem colocada acolá. Fora do trabalho sim. Lá ela se envolve com outras práticas de justiça. Seu tempo livre e voltado para o próximo. Seu pensamento: trabalho é sobrevivência. Se der para ser bom e justo lá, melhor. E, sim. Com o pouco que ganha, ela consegue guardar economias para o futuro. E não tem crises por não fazer mais.

Por fim, Josefina. Saiu da cidade para estudar, mas voltou. Queria fazer Agronomia, para ajudar as pequenas comunidades rurais a se estabelecerem melhor. Não conseguiu. Fez Gestão Ambiental e foi feliz com isso. Trabalhar com os pequenos agricultores e com a economia familiar lhe traz alegria. Vive numa dificuldade financeira enorme, mas faz o que gosta, luta por outro mundo possível e também vive mediando conflitos.

Josefina sabe que mudar a realidade não se faz sem esse tipo de mediação. São interesses diversos, opiniões por vezes distintas e formas de ação que por vezes se anulam. Nessas horas ela se lembra dos tempos no grupo de jovens. Lá, mesmo num grupo com a mesma identidade, nem sempre o consenso era factível. Que dirá hoje em grupos tão distintos com experiências diversas?

Apesar disto, fazer o que faz lhe é prazeroso. Está de volta, próxima às pessoas, a sua cultura, a sua realidade. Sabe que precisa ser criativa para ajudar a superar as dificuldades impostas pelos grandes fazendeiros e a monocultura que se alastra pela região. Busca forças na vida de comunidade, nos círculos bíblicos, na celebração semanal, na oração que une fé e vida.

Por isso, ela se guia pela figura de Jesus. A injustiça não o detinha. Não se acomodava. Vivia mostrando a contradição que o sistema que vivia era. E para ela, como era para eles, basta a preocupação diária. Um dia de cada vez. O futuro pessoal não a preocupa. Só o futuro coletivo. Ela continua sonhando grande. Idealista. Coerente. E não tem tempo para mais nada.

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