sábado, 23 de setembro de 2017

Você fala por quem?

Eu tenho bem clara a lembrança da votação do impeachment da Dilma. Lembro-me de deputados falando ao vivo nos canais abertos de televisão em cenas que poderiam ser cômicas se não fossem grotescas. Lembro-me ainda discursos que eram coerentes em relação a uma característica própria. Muitos repetiram que votavam em nome dos eleitores de seus estados.

Uma das tarefas de um deputado é justamente essa, falar em nome dos eleitores. Impossível falar em nome de todos, por isso, teoricamente, são eleitos vários deputados. O universo macro de todo o Brasil deveria estar ali, naquele microuniverso que se chama Câmara dos Deputados. Sabemos que esta representatividade está longe, porém.

Se olharmos sob qualquer parâmetro, a comparação estará desigual. Mulheres são pouco mais da metade da população brasileira e representam menos de 10% do total de toda Câmara. O mesmo vale para os negros. Profissões, religiões, nível de escolaridade, idade, nada disso está nem próximo à realidade. Mas eles falam por nós.



A Câmara, bem como todos os exemplos das esferas políticas, tem um agravante sério. Como alguém pode falar por mim, se não sabe o que eu penso a respeito de determinado tema? Pouquíssimos deputados tem algum trabalho realmente de base ou um canal aberto para ouvir a população.

Falamos deste cenário, mas podemos citar outros mais próximos e menos formais. Nossas relações cotidianas são cercadas de falas em nome de alguém, mesmo que não existam mandatos que legitimem estas posições.

Homens falam sobre como as mulheres deveriam se vestir, brancos sobre como negros devem se comportar, heterossexuais sobre a vida privada dos homossexuais, religiosos sobre ateus, católicos sobre evangélicos, evangélicos sobre umbandistas, tradicionalistas sobre pejoteiros, empregados sobre desempregados, descolados sobre periféricos, regiões brasileiras sobre outras regiões brasileiras, bairros x bairros, estados x estados, pessoas x pessoas.

A questão maior é supor que se está certo ao falar em nome de alguém. Quer opinar, opine, mas ouça a quem você cita, preferencialmente antes. O risco de soltar preconceitos, mentiras, opiniões datadas é muito grande.

Eu sou homem. Como posso contribuir com a luta das mulheres contra o machismo? Dizendo o que elas precisam fazer? Não! Desconstruindo alguns mitos machistas entre nós homens. Mesmo exemplo, outro personagem. Eu sou branco. Como posso contribuir com a luta dos negros contra o racismo? Dizendo o que eles precisam fazer? Não! Desconstruindo alguns mitos racistas entre nós brancos.

Posso usar outros exemplos? Ótimo. Sou heterossexual, cristão católico, paulista, paulistano, pós graduado. Mas sou também da periferia, corinthiano, pejoteiro, acima do peso, depressivo. O recado então é óbvio. Cuidado com tuas falas e tuas posturas. Perceba o preconceito. Sempre há estigmas. Fuja do discurso linear e de batalha. Não há somente duas alternativas. Não é um contra o outro sempre. Além disso, evite falar por alguém se esse alguém pode falar por si só. Se não faz parte do grupo, não fale pelo grupo. Ninguém te elegeu, companheiro.

Por fim, este blog é conhecido por “Pejotando”, mas o nome dele é “E por falar em pastoral...”. Falo de pastoral da juventude aqui, mesmo que eu não esteja mais contribuindo diretamente na organização. Sei que ajudo a formar opiniões e tomo todo cuidado do mundo com isso. O texto postado voa livre. Não tenho controle de onde vai parar e quem vai chegar a lê-lo.

Por isso eu digo a você jovem ou assessor/a, cuidado com falas e posturas. Cuidado com discursos evangélicos e práticas preconceituosas. Cuidado com falas de liberdade e posturas de exclusão. Cuidado com postagens, com compartilhamentos. Eu, inclusive, e muito mais vocês que estão na ativa, somos pastoral da juventude onde estivermos. Nosso testemunho é considerado e avaliado o tempo todo.

Aquilo que falamos ou escrevemos tem peso no nosso círculo de relações e o que fazemos repercute ainda mais. O testemunho tem que ser coerente com aquilo que acreditamos. Claro que cometemos falhas. Eu tenho um histórico enorme nesse quesito. Mas é preciso aprender com elas. Desde as pequenas coisas do cotidiano, passando pelas falas feitas nos espaços de representatividade, chegando até às grandes responsabilidades.

Atenção então: Nossa fé é libertadora, nossa pastoral é da juventude, nosso trabalho diário é pelo Reino de Deus. Então se falamos e agimos em nome dessa crença ela precisa estar espelhada em nossa prática. Prática inclusiva, sem preconceito, juvenil, libertadora e utópica.

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