quinta-feira, 29 de julho de 2021

Vocação e Acompanhamento

Uma das leituras bíblicas que eu mais gosto é a famosa passagem dos discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35). Isto é verdade porque, inclusive, já tratei de um tema com este texto como pano de fundo para a reflexão. Se quiser, você pode vê-lo aqui.

Se você é catequista, coordena, acompanha ou assessora grupos, é uma pessoa com boa influência sobre outrem ou é alguém que, assim como eu, acompanha o projeto de vida de outras pessoas, este texto é para você.

Um dos diversos olhares que podemos dar para o texto dos discípulos de Emaús é o olhar vocacional. Todos sabemos que durante o mês de agosto a Igreja Católica procura refletir com maior intensidade a questão das vocações, sejam elas religiosas, missionárias, sacerdotais, matrimoniais ou leigas. 

Nossa primeira e principal vocação é para a vida, nos seus mais diferentes aspectos e nos mais diferentes serviços ao próximo, de acordo com a nossa fé. Mas todas elas têm algo em comum: para crescer, elas precisam ser bem acompanhadas. E será este aspecto geral que pretendo tratar aqui. O texto dos discípulos de Emaús é preciso sob este olhar.

Convido que você leia o texto bíblico em Lucas, capítulo 24, versículos de 13 a 35, com calma e uma segunda vez prestando atenção na postura de Jesus e dos discípulos. Existem cinco movimentos que Jesus fez que podem nos inspirar neste trabalho de despertar a vocação das pessoas que nos cercam, que acompanhamos ou que estão nos grupos conosco. E há mais dois gestos que os discípulos fizeram que comprovam o entendimento deste aprendizado. Vamos lá?

Jesus está junto

Ele quer estar perto da realidade daqueles discípulos. Sabe que eles estão fugindo, mas quer ouvir isso deles. Permanece ao lado. Caminha junto, mistura-se, faz-se um no meio deles. Pergunta, ouve, provoca, tem atenção. Ele não interrompe, não corta a vez. Fala na sua hora. E quando fala é a partir daquilo que os discípulos disseram.

O argumento de Jesus tem fundamento

Acompanhar a vocação de alguém, o projeto de vida de alguém não é concordar com tudo que a pessoa diz, quer, pensa ou faz. É preciso ter clareza do papel para ajudar a pessoa em seu próprio discernimento. Jesus se chateia também. Vê a desilusão, a falta de expectativa, a quebra do sonho, a fraqueza da fé, a cabeça dura e a falta de entendimento. Para clarear a situação, não usa seus próprios argumentos, mas busca os relatos da Palavra de Deus. Ele respeitou o processo. Primeiro ele viu a realidade dos discípulos e neste passo ele a iluminou com a Palavra.

Jesus cria familiaridade

Quem acompanha uma vida, uma vocação tem mais bagagem, mais experiência, um algo a mais para passar. Isto, no entanto, não faz com que seja melhor do que a pessoa acompanhada. É preciso criar laços. Não basta querer bem. É preciso que estas pessoas se sintam estimadas, amadas. E isto não se faz do dia para noite, mas “no caminho”, no processo de acompanhamento. Quando Jesus diz que vai embora, eles pedem que fique porque é perigoso com a noite que chega. Com o convite feito, o acompanhante fica, partilha vida, experiências, porque sabe que ali existe algo mais forte que simples laços. 

Jesus mostra coerência

Todos dentro da mesma casa, sentados à mesma mesa, partilhando do mesmo ar, tendo à frente o mesmo pão. Parece um bonito final para a história vocacional, mas falta o essencial: o porquê de tudo isso. Diante da mesa, Jesus se senta e parte o pão. Neste instante ele se revela. Na partilha Ele foi reconhecido. No exemplo. No testemunho. Não foi quando ele começou a acompanhar. Não foi quando ele deu explicações sobre a palavra. Não foi quando pediram para que Ele entrasse em sua casa e nem quando se sentaram à mesa com Ele. Ele foi reconhecido na partilha, onde se mostrou coerente com tudo que fez e disse em sua vida. O acompanhante não pode fugir desta coerência de testemunho evangélico. Mais do que com palavras, conseguimos movimentar corações com gestos concretos de partilha de vida.

Jesus sabe a hora de sair de cena

Não somos acompanhantes vocacionais para toda uma vida. O rumo foi descoberto? Cabe à pessoa decidir se quer trilhá-lo ou não. Jesus se revelou no partir do pão. Os discípulos o reconheceram. E ele sumiu diante deles. Diante da descoberta de um novo sentido para a própria vida, não podemos assumir um papel paternalista e dizer o que a pessoa acompanhada deve ou não fazer. A decisão é dela. As pessoas são livres e responsáveis por suas próprias decisões. E isso é fundamental.

Uma vocação madura não é alienada da realidade

Um bom acompanhamento sempre leva em conta apresentar e discutir a realidade. Jesus fez isso com os dois discípulos. Não deu verdades prontas, mas cutucou, incomodou, fez com que vissem outro lado, sem negatividade, negacionismo ou falsas esperanças. Um acompanhamento que chega numa vocação madura leva a pessoa a ter capacidade de olhar criticamente a realidade e analisar causa e consequência. “Não estava ardendo o nosso coração?”. 

Uma vocação madura não é acomodada

Se a pessoa foi bem acompanhada, ela não espera acontecer, mas vai e faz acontecer. Tem disposição, vai atrás. Se está com medo, parte com medo mesmo, porque há algo dentro dela maior que qualquer sentimento que a paralise. Eles saem de qualquer zona de conforto: “Na mesma hora, eles se levantaram...”. E sabem que não podem fazer as coisas acontecer sozinhos, por isso precisam estar em comunidade: “... e voltaram para Jerusalém...”


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