quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Pejoteiros - o reencontro


Nota do autor: “Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações terá sido mera coincidência”.

Era sábado de manhã. André chegou ao sítio e estava feliz. Feliz e ansioso. Afinal há tempos não via aquela galera da diocese. O que teriam feito da vida? Quem estaria casado? Será que viriam todos? Ele não via aquela turma há quase vinte anos, afinal havia se mudado de cidade e perdera todos os contatos.

Era uma turma boa aquela dos trabalhos diocesanos da PJ do início dos anos 1990. Foi com eles que aprendeu o jeito de ser pejoteiro e isso fez toda a diferença na sua vida e nas suas opções. Descobrira anos mais tarde que sua vocação era de ser assessor da pastoral da juventude. Mas isso fora acontecer longe das suas terras de origem e talvez seus primeiros amigos nem soubessem disso. Tinha tanta coisa para contar. Graças às redes sociais da internet, acabaram por achá-lo e avisaram-no do convite para o reencontro. Que coisa boa!


Eles iriam passar o sábado e o domingo naquela chácara. Pediram para levar fotos, lebranças, objetos marcantes. O sol estava quente. Boa parte da turma se refrescava na piscina enquanto outros suavam na beira da churrasqueira. 

Amandinha tinha se casado com o Rafa. Thiago era coordenador da campanha de um vereador de um partido de esquerda. Já o Luis tinha saído candidato à Câmara municipal pelo partido do governo, de direita. Ana tinha largado a Igreja. Toninho só foi porque tinha esperanças de reencontrar a Dê. A Dê foi, mas vivia escapando das investidas do Toninho. Como sempre. Anderson estava participando do movimento carismático. Elias e Paula tinham se separado, mas a pequena Thais já participava da PJ. Marcão, que antes queria ser padre, hoje era um micro empresário bem sucedido. Rogério não foi.

Tudo era bem diferente para André. Apesar das diferenças e das poucas divergências, antes todos pensavam e agiam numa mesma direção. Agora parecia que os sonhos que eles carregavam antes foi só um desvario da juventude, uma inconsequênca juvenil. Cada um num rumo agora. Poucos ainda caminhavam com ele.

Mas eram seus amigos. Algo ainda daqueles anos ainda haveria numa relação. E foi isso que ele tentou buscar quando a turma resolveu fazer um sarau. Ele circulou entre as rodinhas que se formavam, ouviu um aqui e opinou um pouco ali.

Elias falava para Rafa dos perigos do matrimônio. Amandinha ria, mas Paula não gostou muito. André sabia que no fundo era um ataque à ex-esposa. Ele tinha para si que nem toda relação foi feita para dar certo, mas uma turma com formação pastoral não deveria tratar o outro desta maneira. 

Anderson, que também acompanhava a conversa, saiu maneando a cabeça e foi se juntar no bate-papo de Ana e Marcão. André foi junto. Quando chegaram, o tema era sobre a desilusão com a PJ e na vitória dos movimentos mais espirituais. Anderson chegou intervindo, dizendo que não era bem assim, que nunca foi objetivo acabar com a PJ na diocese e que se ela acabou, foi por falhas internas, não por intervenção externa. André não sabia o contexto da história, mas o argumento de Anderson fazia sentido na sua realidade. Muitas vezes a PJ de sua atual diocese buscava nos “adversários” externos a razão do seu fracasso. E parecia que toda vez que se juntavam pejoteiros com mais caminhada, criava-se um momento de muro das lamentações e um divã coletivo de problemas.

André também saiu dessa rodinha. Num outro canto, Luis e Thiago discutiam preferências partidárias. Toninho, que havia dado um tempo na perseguição à Dê, era disputado pelos dois “partidos”. André nunca havia suportado sectarismo nestas discussões. Seria possível ser pejoteiro sem ser de um determinado partido da esquerda? Sim, ele sabia da história de luta do partido, das suas diversas tendências internas e que existia gente muito séria e comprometida lá. Mas, por outro lado, como pode alguém que passou pela PJ, hoje estar do lado da direita? Ele não entendia onde estava a falha. Foi de acompanhamento? Foi de formação?

Dê topou com André quando ela saia do banheiro. Ela ainda estava na PJ da sua paróquia como assessora. Dizia a ele o quanto era difícil articular os grupos e que o fato de ter organizado aquele reencontro era para tentar cativar novamente a turma antiga e ver quem poderia ajudar neste processo de rearticulação. Mas era complicado.

A intenção era muito boa, mas havia algo errado naquilo tudo. Era uma turma que não tinha mais uma só força, um só pensamento e um só coração. Talvez eles tivessem passado por uma falha no processo deles. Não tinham levado para a vida tudo aquilo que o próprio André e a Dê tinham aprendido. Que saída existiria agora?

A coisa não saiu conforme o planejado, né Dê?”, disse Thais, sentando com eles na roda. Elas se abraçaram e a filha da Paula disse que elas estavam juntas, no mesmo barco. E que se fosse preciso, elas iriam recomeçar tudo do básico, visitando comunidades, falando com os grupos. André sorriu e pediu para ajudar. Se fosse preciso trazer alguém de fora para conversar, podiam contar com ele, pois tinha alguns contatos. E Thais continuou.

Se a gente não aprender com os erros do passado, estaremos condenadas a repetir os mesmos fracassos. Não dá para fazer isso. Enquanto falhamos, tem jovem sendo assassinado, não tem quase ninguém lutando por uma melhor educação, pouca gente se encanta por Jesus e sua proposta do Reinado de Deus. O que te motivou e o que me motiva hoje não pode ficar só conosco. Não deu certo este reencontro, então vamos achar outras alternativas. Paradas é que não vamos conseguir nada, né?”.

André sentiu que tinha cheiro de esperança no ar.

2 comentários:

  1. Fantástico!!! Ahcei mtu bom e provocativo o texto, com cara da mini-série da Globo, queridos amigos: aqueles que na juventude defendiam os mesmos valores hoje se mostravam diferentes!!!
    É muito complicado explicar como acontece isso, há um problema em dois pontos pra mim:
    1) Formativo: Infelizmente na prática muitos fatores impedem que a formação integral do jovem aconteça no grupo, o que gera insatisfação e esses resultados que vemos, uns mais políticos, outros fora da Igreja, outros mais espirituais, e ninguém se entendendo. Soluções?
    2) A falta de uma auto-crítica da PJ, parece que a PJ é uma entidade perfeita, mítica e intocável, ai de quem a crítica ou crítica sua prática. A PJ crítica a Igreja, o Padre, a sociedade, o partido, mas ser criticada jamais... E isto dificulta e muito a solução de problemas simples que manteriam a chama acesa por muitos anos, e também interfere na transferencia da história recente. Transmite-se as inimizades com os movimentos, mas não se transmite as incoerencias e erros de quem compõe a PJ...
    é o que eu acho...

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    1. Rafael, a proposta do texto era realmente ser provocativo e de ser um alerta. Na verdade, é um apanhado de situações que eu quero ir trabalhando nos textos futuros. Mas vale a reflexão: A turma que está hoje envolvida nos processos formativos da Pastoral da Juventude como espera estar daqui 20 anos?
      A formação integral e o processo de educação na fé são coisas sérias e pra toda vida. Tem de ser feitos com seriedade. Contudo, é certo que nem todos abraçarão. As pessoas são livres para dizer não.
      Quanto a autocrítica da própria PJ, creia Rafael. Eu percebo que há muito mais hoje do que há 10 ou 15 anos.
      Mas valeu por ter comentado.

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