sexta-feira, 20 de junho de 2014

A vida é tão rara

Era um sábado pela manhã e eu saí para doar sangue. Não era para ninguém em específico. E não conto isso aqui para ganhar o aplauso ou possível compaixão pela história. Conto isso como um mote para dizer que a vida é muito frágil.

Poderia começar, por outro lado, contando que este ano já me presenteou com Rafael, meu sobrinho e com Miguel, meu sobrinho-neto e que até o fim do ano mais um sobrinho-neto, o Artur, deve chegar também. Bebês como eles, delicados, frágeis, indefesos mostram os detalhes do milagre da vida e como podemos facilmente perder este dom fantástico com uma bobagem qualquer que façamos ou com uma doença ou um mal inesperado.

Mas volto à história da doação e a fragilidade da vida. Meu organismo produz uma proteína numa quantidade maior do que a média das pessoas. Isso me impede de consumir alguns alimentos e me é indicada a doação de sangue como forma de diminuir a quantidade dessa proteína no organismo. Não faz mal a quem recebe meu sangue e faz um bem danado a mim.


Quando paramos para pensar que pequenas atitudes que tomamos podem ser desencadeadoras de vida ou de morte é para, ao menos, se parar para pensar. Se isso vale para uma bolsa de sangue, vale também para uma palavra. O sangue doado pode salvar uma vida; uma palavra bem dita pode salvar um dia. Da mesma forma, mas em sentido oposto, o contrário também pode acontecer, sendo um sangue contaminado ou uma palavra mal dita.

Nossas vidas e nossas relações são tão frágeis que merecem todo o cuidado. São como os bebês do começo desta história. Quem acompanha e ama, reconhece as diferenças nos choros e nos outros barulhinhos também. Vibra de felicidade quando percebe que consegue se comunicar com aquele pequeno ser e que se criou um vínculo duradouro ali naquele momento.

Por vezes, perdemos este mesmo vínculo com a gente mesmo e com os nossos companheiros e companheiras de caminhada. A rotina vai desgastando a atenção e aquilo que chamamos de militância pastoral acaba virando um acúmulo de tarefas delegadas, cobradas e cumpridas, num mecanicismo que tem de tudo ali, menos um espírito pastoral.

Quando se percebe que algo anda mal é preciso parar para fazer uns exames, avaliar o que está errado e tomar rapidamente as providências necessárias. Seu grupo pode estar produzindo alguma proteína em excesso, causando prejuízo a outras. Focar demais num aspecto pode deixar outros, que são fundamentais, sem uso e isso ser perigoso demais num futuro próximo.

Foi numa dessas consultas com um especialista que eu descobri este problema no meu organismo. É preciso que seu grupo faça paradas de vez em quando e avalie o processo da vida. Nessas horas, se possível, conte com uma assessoria especializada. Assim, será mais provável que muitos, senão todos, aspectos importantes serão analisados, discutidos, avaliados.

Seu grupo pode ter uma doença mais séria e vocês nem desconfiarem. Podem achar que está tudo normal e caminhando bem, mas a rotina vai envenenando as relações, a falta de cuidado vai estagnando o comprometimento, o ritualismo matando o encantamento, o "militontismo" (dos militantes tontos) desgastando as crenças, até que, sem que se deem conta, o grupo vai perdendo um membro aqui e outro ali até que cai desfalecido.

Se nós nos cuidássemos mais (a si próprios, aos outros, as relações e com o mundo ao redor), como se cuida (ou se deveria cuidar) de um bebê, certamente estaríamos mais atentos a qualquer sinal estranho. Da mesma forma, descartaríamos os olhares daquilo que é desnecessário e supérfluo. A vida é tão mais importante...

Há gente que vive destilando seu ódio, sua mágoa, sua tristeza nos outros. Por vezes os discursos chegam travestidos de comprometimento de um dever cívico, moral, religioso. Mas tem muito pouco de vida, de carinho, de um olhar de alteridade. Se colocarmos esta palavra no fogo para ver e acolher o que de fato tem em sua essência, encontramos quase nada que se aproveite.

Meus amigos, estamos sendo bombardeados por todos os lados por sentimentos deste tipo, inclusive dentro dos nossos próprios grupos. Não percamos tempo com coisas assim. A vida é tão rara. Busquemos primeiro o Reino de Deus e sua justiça. E a busca é ativa: vamos semeando a esperança e buscando, vamos lutando por um mundo mais fraterno e buscando, vamos exercendo o cuidado e buscando, vamos construindo relações mais igualitárias e buscando, vamos espalhando o amor e buscando. E quando menos esperarmos, todas as outras coisas já nos foram acrescentadas.

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