sexta-feira, 30 de junho de 2017

Sobre privilégios

Voltava outro dia para casa, vindo de transporte público. Na passarela eu me dei conta que eu era mais alto do que a maioria das pessoas que ali estavam na multidão. Isso era bom para mim, pois me permitia ver mais longe e saber, antecipadamente onde estavam as aglomerações ou algum problema adiante e poder desviar.

Eu voltava para casa, vindo do meu serviço. Vinha bem vestido. Roupa limpa, alinhada, confortável. Houve quem já me dissesse que aquela era "roupa de patrão". (Patrão andando de transporte público, enfim... Mas continuemos).  O que significaria essa expressão? Que, assim como a altura, eu estivesse acima da média no padrão de vestimenta. Talvez fosse isso. Ou, provavelmente, mais do que isso.


Quem são os patrões? Comecemos pelos estereótipos. Homem. Branco. Mais de 40 anos. Bem estudado. Casa própria. Carro próprio. Casado. Filhos em colégio particular. Viaja nas férias. Já conhece o exterior. Manda nos outros.

Tem algo de mim nesses estereótipos. Embora isso não me defina, fala um pouco dos tantos privilégios que reinam em nossa sociedade e nos quais eu posso me encaixar. E fala, principalmente, de tantos preconceitos que precisam ser escancarados para serem combatidos no aspecto econômico e, principalmente, no social.

Sim, escancarar os fatos socialmente. Homens são mais valorizados do que mulheres. A pele branca sofre menos preconceito que a pele negra (ou nenhum, nesta comparação). Adultos são mais respeitados do que jovens. O tempo de estudo é critério para você ser mais inteligente do que outra pessoa. Possuir bens, viajar ou falar outras línguas são sinais de status. Ser casado é sinal de estabilidade. Ser heterossexual é símbolo de normalidade.

Não é novidade para ninguém dizer que o ser humano é um ser múltiplo. Várias culturas, várias crenças, vários símbolos. Porém, muitos de nós temos a necessidade de classificar as pessoas em categorias para poder entendê-las ou rotulá-las. Pior. Muitos temos o raso conceito de achar que há um binômio que classifica todas as coisas: nós e eles, certo e errado, uma coisa ou outra, o bem e o mal.

Por isso que, na mente de muitas pessoas, ser “patrão” é um elogio, é uma coisa boa. Porque é um acúmulo de pontos positivos neste quadro de critérios que as pessoas têm para classificar o mundo. É um modo muito simples de entender o mundo. Mais do que simples, é um modo infantil. Eu percebo isso vendo meus filhos.

No entanto, esse modo de classificar as pessoas além de errado é perverso. É errado porque não há esse binômio entre o bom e o mau ser humano. Nenhum dos que hoje aqui vivem podem se dizer complemente perfeitos ou imperfeitos. Há muitas graduações e há diferentes fases na vida de todo mundo. Os cenários em que vivemos e as circunstâncias e decisões que tomamos ou que nos fazem tomar contribuem muito mais para estas definições. E, dadas outras circunstâncias, podemos mudar.

E é perverso achar que a cor distingue o caráter, que o gênero reflete nossas capacidades, que idade é o mesmo que maturidade, que estudo é o mesmo que inteligência, que é necessário ter para poder ser, que aparências valem mais do que a identidade e que ser o normal é ser normal, quando a normalidade é no fundo uma convenção. Tudo são ideias abraçadas, preconceitos que permitem a estas pessoas com entendimento infantil poder se sentir mais seguros no mundo.

Minhas crenças não me permitem acreditar neste sistema de coisas. Fui aprendendo a ver o mundo de outro jeito tentando conciliar minha fé e minha vida e no diálogo entre as duas aprofundei minha visão das relações humanas participando da Pastoral da Juventude.

Deus nos fez para o bem, para a justiça e para o amor. Ele não faria pessoas melhores e piores, seres humanos de primeiro, segundo e terceiro escalão. Ele não faz distinção entre as pessoas. Como é dito em Atos dos apóstolos, “Ele aceita quem o teme e pratica a justiça, seja qual for a nação a que pertença”. (At 10, 34-35).

Achar que se deve privilegiar o poderoso (patrão) em detrimento do pequeno (ou empregado) também contraria aquilo que acredito. “Não façam acepção de pessoas no julgamento: escutem de maneira igual o pequeno e o grande. Não tenham medo de ninguém, porque a sentença vem de Deus”. (Dt 1,17). E Tiago em sua carta ainda lembra: “Se cumprirem a lei mais importante da Escritura: «Ame o seu próximo como a si mesmo», vocês estarão agindo bem. Mas, se vocês fazem diferença entre as pessoas, estão cometendo pecado”. (Tg 2, 8-9).

Um sistema que segrega as pessoas pelos que elas são e, pior, pelo que elas aparentam ser, não é digno de se dizer humano e muito menos defendido por valores cristãos. Jesus não agia assim com as pessoas e seus seguidores devem seguir seu exemplo. Não é a condição em que estamos que vai nos dizer se somos melhores ou piores e sim o bem que fazemos ou deixamos de fazer, a justiça que exercemos ou deixamos de praticar, o amor que negamos ou oferecemos a quem precisa.

E nesta reflexão, cheguei em casa.

Um comentário:

  1. Que maravilha. É bom rever seus escritos. Estava com saudades...😊 Abraço fraterno!

    ResponderExcluir