quinta-feira, 26 de outubro de 2017

De ciclo em ciclo

A vida é tão curta, né? Não dá pra viver de ciclo em ciclo, como se eles se terminassem em si”. Num bate papo virtual, saiu essa afirmativa acima. E ela corresponde bem a um entendimento tanto da vida como da nossa ação pastoral.

Muitos de nós levamos nosso trabalho assim, de calendário em calendário, de ano em ano, de atividade em atividade, sem uma perspectiva maior. A cada etapa, um novo ciclo se passa. É como se fosse uma vitória conquistada ou um sofrimento que se vai.

Entender a vida em ciclos tem suas vantagens. A maior delas é entender que há limites de tempo que precisam ser entendidos e respeitados. E que a cada tempo há algo que deve ser realizado e vivido. Por exemplo, todo mundo conhece alguém que faz promessas de ano novo. Fim de ano é o período propício para esta atividade.


Estações do ano também tem seus ciclos fechados e repetitivos. E servem de alegoria para nossa vida. Na primavera a vida floresce, no verão, há plena forma e atividade. O outono é período de colher os frutos e o inverno o tempo de descanso e recolhimento. Há uma riqueza neste entendimento. Mais do que valorizar esta ou aquela estação. É entender que cada etapa da vida tem seu sentido, mas é preciso ir além.

A vida escolar também é formada por ciclos. A pré alfabetização, as etapas seriadas do ensino fundamental e médio, a escolha de um curso técnico ou de graduação, a batalha por uma pós-graduação, especialização, mestrado, doutorado. De degrau em degrau, as pessoas sobem, param, se estabilizam, cansam ou vão além.

O mal está justamente aí. Esta é a limitação do ciclo. Viver ou simplesmente passar por ele, sem compreender ou carregar o aprendizado. Vive-se a intensidade do momento. Sabe-se que ele vai acabar. Existe a ideia do que virá a seguir e paramos por aí.

Olhando para nossa vida e nosso trabalho pastoral, também não vivemos por vezes assim também? Repare na vida em grupo. A separação em etapas é mais didática do que experiencial. Ou a gente acredita que exista uma chave que troque os períodos da convocação para a nucleação ou da iniciação para a militância? O sentido em separarmos as etapas acima está muito mais em entendermos como elas se dão e o que devemos fazer em cada delas do que simplesmente criar “séries”, ciclos ou etapas.

No seu grupo, nem todos estão na mesma pegada. Todo mundo tem alguma carência, alguma falta de conteúdo ou de alguma vivência. Inclusive você que agora acompanha a leitura deste texto. Eu também me incluo nessa. Não é porque fulano, que vive um período de militância, tem grande dificuldade de lidar com oposição de ideias e de relacionamentos que ele precisa reviver a período da iniciação ou na nucleação porque não foram bem vividos. Chegou assim, a gente vai tentar consertar enquanto continua vivo. E bola pra frente.

Da mesma forma, a vivência em ciclos fechados não nos permite abrir uma perspectiva de continuidade de processos. Repara seu calendário pastoral. É anual, não é? Um ano, embora pareça muito tempo, não é. Representa um curto prazo. Para este pequeno ciclo, qual o objetivo? Como se espera chegar quando estiver concluindo?

E em médio prazo? Qual a visão pastoral que se tem? Onde o grupo deve estar? E para chegar lá, o que deve fazer? E a longo prazo? Que relações deve traçar? Com quais outros grupos deve ter contatos? Que ações são necessárias? Com essa clareza, aí sim, faz sentido rechear um calendário com atividades. Elas tem uma finalidade dentro de um planejamento. E isso ajuda a dar significado aos ciclos.

É preciso enxergar além. É preciso saber que se estamos vivendo a primavera, daqui um ano será primavera de novo. Viverei da mesma forma? Há algo a ser superado ou melhorado? A quem devo perdoar, me aproximar, cuidar? Na vida escolar, não é o ano que se está que conta, mas o olhar adiante. A etapa que estamos significa um passo para o objetivo. Deve ser vivida intensamente, claro. Mas não é um fim em si mesma.

Olhemos para Jesus. Cada ato, cada palavra era cheia de significado. Para nós sempre há um aprendizado rico quando olhamos, rezamos ou estudamos os Evangelhos. Mas nenhuma delas foi pronunciada ou vivida em vão. Todas tinham um propósito. Todas serviam como sinais de anúncio e vivência de um saborear do Reino de Deus. Façamos como ele. De cada ato, uma doação, de cada palavra, um presente. A vida é tão curta. Não dá para viver como se nada tivesse sentido e fosse preciso esgotar tudo ao mesmo tempo e agora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário